desova de Anomalochromis thomasi numa casca de coco.

Eu sempre tento dar aos peixes um status que os diferencie de objetos inanimados de decoração. Busco lembrar por meio de sua graça, musicalidade e complexidade, que são seres vivos tão intrigantes quanto quaisquer outros vertebrados. Assim, procurando mostrar que peixe não é tudo igual, resolvi mostrar alguns distintos tipos de desova que peixes ornamentais podem apresentar. E quando falo de desova, para efeitos deste artigo, quero me referir a maneira como o fazem, onde guardam e a se a prole tem proteção etc.

Bem, com isso colocado, vamos partir logo para alguns exemplos. Bora lá!

Ovos adesivos

Sim, ovos que grudam. É interessante pensar nesse recurso de reprodução, pois por si só já implica em pensar nalgum tipo de cuidado parental. Por que falei isso? Pelo menos na maioria das vezes é importante pensar que uma vez que o ovo fica ali grudado e exposto ele pode ser predado, pegar fungo e sei lá mais o que. Então, é interessante que tenha alguém ali cuidando dele(s).

Muitos ciclídeos, como apistos, discos e bandeiras, e mesmo cascudos usam desse método; por conhecer um pouco mais, vou me ater aos ciclídeos, ok? O ritual completo engloba: 1) a formação de um casal; 2) a escolha de uma superfície plana para a desova – que pode ser uma rocha, um tronco, uma folha larga e planta, e mesmo o vidro do aquário – o local é constantemente limpo e guarnecido, mesmo antes que a desova ocorra, exacerbando a agressividade dos peixes envolvidos, independentemente

Casal de discos no ato da postura de ovos.

do tamanho deles; 3) quando chega a hora, a fêmea se aproxima e com seu oviduto exposto, já encosta na superfície e começa a liberar as fileiras de ovos, que aderem à superfície – o macho a segue, fecundando os ovos logo em seguida; 4) deste momento em diante o cuidado parental é – além de defender – de jogar jatos de água com a boca ou abanar com as nadadeiras, a fim de fazer com que a água que envolve os ovos não fique estagnada e traga problemas como fungos.

Observo que resumi de uma forma mais ampla, mas que pode apresentar muitas diferenças considerando as espécies. É comum que nos apistos, por exemplo, a fêmea se torne tão agressiva que é recomendável tirar o macho.

Incubação Bucal

Para os amantes dos ciclídeos africanos – CAs, especialmente dos mbunas do Malawi, isso não é novidade, no entanto, é um método de extrema eficiência para aumentar a chance de vingar filhotes na natureza. Todas as espécies deste grupo de CAs têm este tipo de reprodução, onde a fêmea aparece com o “papo cheio” e, praticamente, deixa de se alimentar por um período.

Normalmente o método de reprodução envolve um harém, com diversas fêmeas para um só macho. Uma vez definido o território, suas cores, agressividade, tamanho e características secundárias de sexualidade serão detectadas por fêmeas que estão ao redor. O macho as atrai para um local menos exposto e começa fazer displays, mostrando suas nadadeiras abertas.

Incubação bucal – Ovos na boca de uma tilápia do Nilo.

Uma destas nos chama a atenção: a nadadeira anal, repleta de “bolas amareladas”, semelhantes a ovos; é dito que sua função é de estimular a fêmea. “Como assim?” Faz parte do ritual, uma dança circular do casal, que acaba estimulando a fêmea a largar ovos no substrato, onde o macho lança seu esperma para realizar a fecundação. É aceitável perceber que existe a possibilidade do macho não conseguir fecundar todos assim. Dessa forma, quando a fêmea coleta os ovos em sua boca e vê “outros ovos” ainda não apanhados (os desenhos da nadadeira anal do macho), ela corre pra perto para pegá-los e acaba recebendo nova carga de material fecundador, sendo fertilizada na boca. Isto aumenta as chances dos óvulos da boca poderem gerar descendentes.

Porém, nem todo incubador é ciclídeo. Existem outros peixes que realizam a incubação bucal e mais, nem sempre são fêmeas que incubam. É o caso do Betta pugnax, uma espécie de Betta pouco comum no aquarismo brasileiro, nativa do sudeste asiático (Malásia, Singapura e Indonésia). Nessa espécie é o macho quem realiza a incubação. Na água salgada, por sua vez, temos o Bangai, originário das ilhas Banggai e arredores, na Indonésia, que mantém a senda dos machos incubadores. Especialmente para peixes de coral, a estratégia é interessante para que seus filhotes não precisem ter uma fase de desenvolvimento no plâncton, o que seria muito arriscado.

Killifish

Para começar, é importante falar do nome desse peixe porque ele é relacionado a sua forma de desova. É possível que você os conheça por nomes como “peixe anual” ou “peixe da chuva” ou ainda “peixe da nuvem”. A origem desse nome é incerta, mas atribuída a um termo holandês (que não consegui confirmar em nenhum dicionário online) que significaria “peixe de poça”. Isso porque atingem o imaginário popular e corrobora a teoria da origem espontânea. Imagine que alguém desavisado observa num abaulamento de terreno completamente seco, sem nenhum rio que passa por perto, chegam as chuvas e em semanas o lugar virou um lago repleto de peixes.

Tecnicamente esse mistério nos killifishes é conhecido como “estágio de diapausa” dos ovos e nada mais é do que um estágio de dormência dos embriões onde o desenvolvimento é interrompido por um período, nesses casos, coincidentes com a volta do período chuvoso. Embora eu venha dar o foco nesses peixes com comportamentos reprodutivos respondendo às pressões ambientais periódicas, é importante frisar que killis estão em várias famílias e continentes, sendo muito mais complexos de analisar que esses parágrafos vão explorar.

Nessa linha de entendimento, considerando um ambiente totalmente adverso, deparamo-nos com suas peculiares formas de reprodução. Antes de mais nada, queria chamar atenção para os ovos, que não são comparáveis aos demais ovos produzidos por peixes. Killifishes sazonais possuem ovos de resistência (ou ovos de diapausa), ou seja, parecidos com ovos encontrados em outros organismos como artêmias ou copépodos. Sim, algo do tipo.

Esses peixes reproduzem-se pressionados pelo fim das chuvas e diminuição do volume das poças. Os ovos em diapausa (dormência) aguardam o retorno das chuvas e nova inundação do local, sendo que o mais espetacular disto é que o desenvolvimento embrionário responde às condições ambientais, evitando que eles se desenvolvam por completo com chuvas passageiras.

Tipo de “bruxinha” com ovos

Uma vez entendido como são os ovos, se você pensa um dia em reproduzi-los é vital você conhecer os dois principais métodos de desova para construir um aquário com a ambientação adequada: desova enterrando os ovos na turfa (1º método) e nos amontoados de vegetação (1º método), quando precisamos fabricar a chamada Bruxinha ou Esfregão (spawning mop, em inglês), um ninho artificial feito com lã acrílica (não deteriora na água). Para vingar as crias, os ovos são retirados, deixados para secar (existem procedimentos) e depois de um tempo postos de volta a água, para que o ciclo seja atendido.

Ninhos de bolhas do Betta

momento do abraço, que induz a fêmea a liberar os ovos.

Um clássico do aquarismo. O Betta macho, antes do display (“dancinha”) da conquista da fêmea, constrói uma estrutura de bolhas na superfície da água, seja no canto de um aquário, seja se valendo de alguma estrutura de apoio, como plantas ou objetos que chegam até lá. Isso é possível porque o peixe possui um órgão faringiano, cuja localização tange o canal por onde passa o ar inalado e cada bolha é envolvida por muco, impedido que estoure facilmente.

A fêmea é atraída para baixo do ninho, onde ele inicia seu display. Quando apta a desovar ele a envolve num movimento corpóreo chamada “abraço”, incentivando-a a liberar os óvulos e facilitando a fecundação. Os ovos, porém, caem rumo ao fundo do aqua, mas ele, completamente focado na função, corre e os coleta com a boca, retornado ao ninho e os depositando lá.

macho em sua permanente vigília do ninho de bolhas. Podem ser vistos filhotes recém-eclodidos.

O cuidado do pai começa com a construção do ninho e termina quando os filhotes já conseguem nadar livremente, alguns dias depois da eclosão dos ovos. Para quem vai reproduzir em casa, lembre-se de retirar a fêmea tão logo acabe o processo de cópula e de retirar o papai tão logo os filhotes comecem a nadar livremente (mesmo que isso se dê no segundo domingo de agosto).

Ovos deixados no ambiente

Largar os ovos no ambiente é um método de desova bem comum entre os peixes. Eles se reúnem, em grupos, trios ou casais, num momento que a(s) fêmea(s) com os óvulos prontos para fecundação são expelidos do corpo pelo oviduto e o(s) macho(s) lança(m) o esperma. A partir daí o que difere e garante a sobrevivência é onde os ovos são deixados, pois cuidado parental não existe.

Peixes assim e que vivem em locais abertos, evoluíram para produzir ovos flutuantes que são mantidos em suspensão nas correntes até que eclodam. Aqueles que habitam locais protegidos, como margens de rios ou lagos, aprenderam a utilizar os “esconderijos” para tal.

aquário densamente plantado, com caracídeos e ciprinídeos povoando – ambos grupos gostam de ambientes assim para largar os ovos.

Um ótimo exemplo desses peixes que “escondem” a desova, e que temos muitos nos aquários, são os caracídeos (tetras) e os ciprinídeos (barbos, paulistinhas etc.). Normalmente esses peixes procuram zonas de vegetação densa e lá deixam os ovos, sem o menor cuidado posterior. Em aquários comunitários é difícil vingar as crias e só sabemos quando um diminuto novato aparece sem aviso prévio.

Alguns aquaristas, no intuito de reproduzir tais peixes, deixam-nos em aquários com uma cama de pedras grandes ou bolas de gude, onde os ovos caem nas reentrâncias e não conseguem ser acessados pelos reprodutores.

Acabo de perceber que existem outros métodos de reprodução a serem considerados e que me permitem dar continuidade a este artigo, para não ficar demasiadamente grande. Hoje ficamos por aqui, sabendo que há muito mais a ser desvendado sobre os tipos de desova dos peixes.

Espero que o conteúdo tenha colaborado e que possa servir de inspiração para suas pesquisas futuras! Obrigado pela leitura, nos vemos em breve!

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