casal de peixes-palhaço (Amphiprion bicinctus) em sua propriedade, uma anêmona.

Matutava aqui em como destacar um enfoque num artigo de um tema tão amplo como é a reprodução de peixes de aquário. Imaginei situações e numa delas pensei “ok, a pessoa tá ali de boas olhando o aqua e vê seus peixes num processo de cópula ou acha uma desova pela manhã… se já não saca dos paranauê, deve entrar em pânico, querendo salvar os ovos e sei lá mais o quê. Pode quebrar o clima do deleite de ver seu aquário.” Imaginei que não precisa ser assim e tentei pensar como eu poderia ajudar alguém a prever isso. De repente, ao saber que A e B estão namorando, o aquarista queira tomar alguma precaução, tendo tempo e calma.

Então decidi dar um vislumbre sobre alguns aspectos que dão indícios que a galerinha do aquário começou a mostrar que quer se reproduzir. Antes mesmo dos processos de cópula acontecerem, alguns sinais revelam a intenção dos habitantes dos aquários, os quais podemos observar (em maior ou menor grau) no comportamento ou no corpo do peixe, sejam fêmeas, sejam machos – nestes mais facilmente manifestos e identificáveis.

Tais sinais são chamados de características sexuais secundárias, as quais, além de possuir seu significado crucial na seleção sexual (atuando vigorosamente no processo natural de seleção), estão aí para nos apoiar no dimorfismo sexual (saber quem é macho e quem é fêmea). Essas características podem ser temporárias ou permanentes e estão sob controle hormonal.

Posso destacar inúmeras, mas algumas não fariam sentido no escopo deste artigo, pois poderiam passar desapercebidas, como por exemplo, dizer que alguns peixes têm o aumento de uma camada de gordura no dorso, aumento de tamanho corporal ou até mesmo falar da exposição do ovopositor da fêmea (canal por onde ela libera os óvulos). Para olhos treinados é entendível que são úteis, mas na maioria dos casos seriam tênues ao ponto de causar confusão ou imprecisão.

Assim, no roll de possibilidades, vamos tomar as mais evidentes, que podem nos ajudar com mais gosto, como o ganho de coloração, o aumento de agressividade, territorialidade e mudanças corporais (crescimento e afilamento de nadadeiras e protuberâncias na cabeça). Para organizar, é possível observar que tais sinais (desses que podemos ver com nossos olhos) ficam em duas principais categorias: comportamentais (agressividade e territorialidade) e corpóreos (cores, nadadeiras, protuberâncias).

Antes de avançarmos nos exemplos, é importante entender um conceito. Ganhar notoriedade (ser ou se aproximar de se tornar um espécime alfa) implica em manter a energia em alta. O indivíduo será testado o tempo todo e quanto mais pronunciada e duradoura for a característica, maior a responsabilidade. Quando o indivíduo percebe que pode ser, dispara uma reação hormonal potente e começa a se tornar alguém invejável na comunidade. Falo isso apenas porque sou hobbista e gosto de ver todos os indivíduos bem, independente se conseguem se firmar na “alficidade” (estado de ser alfa). Sei que muitos não conseguem e gosto de estar pronto para perceber que ele não consegue mais segurar e deve ser preservado – não gosto de ver peixes morrendo ou ficando mal por qualquer motivo. É algo dinâmico, então, esteja alerta!

MUDANÇAS DO CORPO

  • Calo pré-nupcial

O ciclídeo Midas (Amphilophus citrinellus) ou Citrinelo como alguns conhecem ganha um aspecto um tanto quanto intrigante, que é o calo na cabeça. Uma protuberância, como um bulbo, que se forma quando cresce e se intensifica quando está “pronto para assumir responsabilidades”. Trata-se de mais uma das características secundárias, de ordem morfológica, que acentua e destaca sua presença no meio, é um chamariz às fêmeas e um aviso aos oponentes.

Ao centro um belo espécime do ciclídeo Midas, mostrando toda sua “alficidade” aos colegas de aquário.

Não somente esse ciclídeo centro-americano se vale da protuberância na cabeça, tal característica é bem presente na sua família. Abaixo selecionei fotos de outros ciclídeos, tanto africanos (de lago ou de rio) como sul-americanos. São eles nesta ordem de aparição: Cyphotilapia frontosa, Cyrtocara moorii, Gymnogeophagus balzanii e Steatocranus casuarius.

  • Nadadeiras

Esta característica eu quase escolhi não citar, porque ela pode confundir e ser subjetiva se a pessoa não conhece a espécie. Mas por se tratar de um caso de beleza e destaque, resolvi separar uns exemplos para ilustrar. No geral, a explicação se daria da seguinte forma: nos machos, as nadadeiras dorsal, anal e pélvicas podem escurecer ou colorir, crescendo e tornando-se bem afiladas ou destacadas como indicativo de aptidão reprodutiva. Casos assim, que refletem a proximidade da reprodução podem ser vistos em ciclídeos, como a Cynotilapia sp. e o Apistogramma cacatuoides, que ilustro com as imagens a seguir.

Um belíssimo exemplar macho de Cynotilapia sp. Observar as prolongadas nadadeiras pélvicas (bem negras).

Por outro lado, temos modificações permanentes em nadadeiras. Nalguns poelicídeos, por exemplo, as nadadeiras são ótimos identificadores. Sem considerar as variações obtidas por seleção de cruzamentos, que podem destoar disso aqui que falo, temos o inconfundível macho do espada (Xiphophorus hellerii), cuja a singular caudal em forma de espada dá o nome popular ao peixe. No guppy também temos uma especial diferença: a cauda maravilhosa do macho. Para ambos os machos dessas espécies, no entanto, há que se reportar a modificação que possuem em suas nadadeiras anais, dando a ela uma anatomia funcional para fecundar a fêmea internamente – tal nadadeira ganha o nome de gonopódio. Observação amiga pra você que gosta de poecilídeos (Mollys, Guppies, Espadas e Platis): eles não têm “época de reprodução”, seu estímulo é basicamente ter indivíduos do sexo oposto da espécie, com isso ficam reproduzindo direto.

Guppy (Poecilia reticulata) macho (esquerda) e fêmea (direita). Ele com caudal e dorsal maiores; presença do gonopódio. Fêmeas são maiores nesta espécie.

  • Coloração

É comum encontrar em peixes o dimorfismo sexual elucidado através das cores. Só pra variar dos exemplos de ciclídeos, vamos mudar um pouco (só um pouco e por pouco tempo). Observe as imagens que trago de barbos-cereja. Machos intensificam suas cores juvenis (amareladas, como fêmeas) para um vermelho brilhante quando anunciam a aptidão reprodutiva.

barbo-cereja (Puntius titteya) macho à esquerda e fêmea à direita.

Tricogaster leri (Tricopodus leerii), macho à direita, mais colorido.

Bata os olhos nas imagens a seguir e repare como machos costumam possuir cores mais vibrantes, o que é otimizado na presença de fêmeas. Peço para se demorar um pouco mais sobre a imagem do casal de kribensis (Pelvicachromis pulcher) e ver que eles invertem esse padrão mais comum de coloração.

Como curiosidade, o indicativo de coloração como aptidão à reprodução também é importante para que a agressividade não seja dirigida aos representantes inaptos. Isso serve – e é comum em ciclídeos africanos do lago Malawi – para preservar juvenis, que costumam ter a coloração das mamães e não dos machos em competição.

casal de Kribensis (Pelvicachromis pulcher), fêmea acima. Ela tem mais cores; ele é maior e tem nadadeiras afiladas.

Podemos citar espécies como o Melanochromis auratus e Pseudotropheus saulosi. Para este último, também é interessante observar que mesmo sendo um dos mbunas gregários e menos agressivos, alguns machos se valem da “camuflagem” social (amarelo das fêmeas) para se aproximar das fêmeas, fugindo da rivalidade dos machos alfa, e copular (danadinho).

O reforço na coloração, como ocorre nos ciclídeos, se dá além da vivificação das cores dominantes. É comum o escurecimento das barras verticais (vide foto no tópico anterior, da Cynotilapia) para demonstrar a agressividade em alta e destacar-se visualmente dos demais. Este é um ótimo indicativo de ganho/intensificação de coloração como característica sexual secundária.

MUDANÇA COMPORTAMENTAL

  • Territorialismo

Não necessariamente um sinônimo de agressividade, este comportamento pode estar vinculado apenas à defesa de um espaço. É possível que o peixe territorial mostre agressividade apenas ao invasor do território defendido, e não a uma perseguição contínua e infindável por todo aquário. Durante o evento reprodutivo isso pode ser intensificado e ampliado. É um comportamento bem nítido em ciclídeos, mas também pode ser visto em cascudos e peixes marinhos como os peixes-palhaço.

display agressivo de um Boca-de-Fogo (Thorichthys meeki) guarnecendo seu território. Note que ele expõe as guelras, como o beta.

  • Agressividade

O exemplo mais popular é o do betta. Mas quem conhece peixe agressivo de verdade não elenca ele entre os tops, inclusive, neste caso, é bom saber que sua agressividade é voltada apenas a outros betas; até acho ruim quando ouço que é um peixe agressivo.

Agressividade é mais perigosa quando o peixe perpassa as fronteiras da espécie e pode agredir outros – podemos perceber como juntar isso ao tamanho pode significar danos mais sérios. Sinais de agressividade podem ser vistos com perseguições, danos físicos como ataques às nadadeiras e escamas e confrontos físicos (porrada mesmo), cujos envolvidos se engalfinham prendendo-se pela boca para medir força e experiência em luta.

Agressividade em peixes têm muitos significados. Quando é ligada à reprodução, muitas vezes pode ser regulada retirando outros machos, aumentando o espaço, aumentando o número de fêmeas e…  pasmem…retirando todas as fêmeas – isto não serve para todas as espécies ou situações, mas tem lógica em alguns tipos de aquários.

Ressalto aqui, como exemplo, que o beijo do beijador (Helostoma temminckii) de “love” mesmo não tem nada. É uma forma de agressividade, na maioria das vezes demonstrada a outros beijadores, porém, gostaria de ressaltar que é reportado que sua agressividade pode aflorar quando é mantido em ambientes pequenos. Este comentário serve para mostrar que agressividade não está apenas relacionada a aspectos reprodutivos ou somente aos ciclídeos.

E aí, deu para se ter uma ideia de como os peixes podem mudar e dar sinais de que vão reproduzir? Espero que sim. Mesmo sabendo que há muito mais, gostaria que alguns aquaristas saíssem daqui entendendo que é possível prever isso e que não necessariamente um peixe começou a ficar mau ou muito lindo sem motivo.

Agradeço demais a leitura e espero ver você no próximo artigo, que sai mês que vem! É nóis em prol do aquarismo responsável!

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