Começamos falando, no artigo passado, sobre ovos adesivos, como parte da estratégia de reprodução entre os peixes de aquário. Hoje pegaremos os demais tipos faltantes, sem o intuito ou a pretensão de exaurir o assunto num só artigo. O tema de reprodução é vasto e cheio de exceções e belezas, mas a ideia aqui é trazer noções desta vastidão para gerar pesquisas e questionamentos.
Reprodução em aquário, especialmente quando bem planejada, é assim emocionante e recompensadora. Ver a vida acontecer na sua frente, não tem preço…não é a toa que encontramos gente viciada em aquarismo. A diversidade de formas, cores e (pra adentrar no tópico) tipos de reprodução conquistam as pessoas. Ficamos imaginando como seres tão pequenos e de “inteligência reduzida” poderiam ter bolado tantos métodos distintos de reprodução para superar as adversidades da natureza e vingar seus genes a posteriori.
Vamos lá, vamos ver o que há mais nesse mundo dos peixes, a respeito de reprodução.
Incubação bucal
Para os amantes dos ciclídeos africanos, especialmente dos mbunas do Malawi, isso não é novidade, no entanto, é um método de extrema eficiência para aumentar a chance de vingar filhotes na natureza. Todas as espécies deste grupo de CAs têm este tipo de reprodução, onde a fêmea “aparece” com o papo cheio e, praticamente, deixa de se alimentar por um período.
Normalmente o método de reprodução envolve um harém, com diversas fêmeas para um só macho. Cabe ressaltar que ser macho dominante nesses ambientes é algo extremamente estressante, uma vez que ele precisa manter sua agressividade em alta, expulsando e encarando os adversários que por ali estão, a todo instante; este cargo é visado por muitos concorrentes e, ao menor sinal de fraqueza, ele será desafiado e destronado na primeira oportunidade. Uma vez definido o território, suas cores, agressividade, tamanho e características secundárias de sexualidade serão detectadas por fêmeas que estão ao redor. O macho as atrai para um local menos exposto e começa fazer displays, mostrando suas nadadeiras abertas. Uma destas nos chama a atenção: a nadadeira anal, repleta de “bolas amareladas”, semelhantes a ovos; é dito que sua função é de estimular a fêmea. “Como assim?” Faz parte do ritual, uma dança circular do casal, que acaba estimulando a fêmea a largar ovos no substrato, onde o macho lança seu esperma para realizar a fecundação. É aceitável perceber que existe a possibilidade do macho não conseguir fecundar todos assim. Desta forma, quando a fêmea coleta os ovos em sua boca e vê “outros ovos” ainda não apanhados (os desenhos da nadadeira anal do macho), ela corre pra perto para pegá-los e acaba recebendo nova carga de material fecundador, sendo fertilizada na boca. Isto aumenta as chances dos óvulos da boca poderem gerar descendentes.
Outro conhecido ciclídeo incubador é a Cyprichromis leptosoma, a sardinha do lago Tanganyika (chamada assim por nadarem no lago, em certas épocas, em cardumes imensuráveis, causando um alvoroço). Enquanto os mbunas dependem das rochas para existir, estes peixes são o oposto, buscando a água aberta. Seu ritual ocorre na coluna d’água, onde o macho estabelece um território de cerca de 45-50 cm de diâmetro e começa a fazer o display – os únicos que não podem cruzar este espaço são machos da mesma espécie. As fêmeas interessadas entram no território, soltam e coletam os ovos, sendo que o macho lançará o esperma diretamente na boca. A quantidade de ovos não costuma ser alta (de 5 a 20) e ficarão com a mãe até quase 1 mês após a cópula…é aconselhável manter 3 ou 4 fêmeas por cada macho e o ideal é ter grandes grupos no aquário (se ele comportar, obviamente). As fêmeas procuram reentrâncias de rochas para soltar os filhotes, onde eles encontram abrigo e comida.
Rocha e coluna d’água foi o que vimos. Só que tem peixe que pensa no ambiente nupcial, construindo ninhos. Para dar mais graça e colocar mais cor nos incubadores bucais, não há como não mencionar o Cyathopharynx furcifer. Trata-se de um reluzente e espaçoso CA, o qual requer aquários grandes para poder prover todo o espetáculo que é capaz de fazer. O macho cria uma cratera no substrato (pode chegar a 60cm de diâmetro) e para lá atrai a fêmea.
Porém, nem todo incubador é ciclídeo. E você achando que eu iria puxar “o ciclídeo pro meu lado”, falando só deles, hein? Não, nada disso, existem outros peixes que realizam a incubação bucal e mais, nem sempre são fêmeas que incubam. É o caso do Betta pugnax, uma espécie de betta pouco comum no aquarismo brasileiro, nativa do sudeste asiático (Malásia, Singapura e Indonésia). Nesta espécie é o macho quem realiza a incubação. Na água salgada, por sua vez, temos o Bangai, originário das ilhas Banggai e arredores, na Indonésia, que mantem a senda dos machos incubadores. Especialmente para peixes de coral, a estratégia é interessante para que seus filhotes não precisem ter uma fase de desenvolvimento no plâncton, o que seria muito arriscado.
Ninho de bolhas
E por falar em ninhos, machos e bettas, como não citar o cuidado parental exercido pelo famoso Betta Splendens. Munido de uma peculiar estratégia, este peixe constrói uma estrutura de bolhas na superfície da água, seja no canto de um aquário, seja se valendo de alguma estrutura de apoio, como plantas ou objetos que chegam até lá.
“Como isso é possível?” Tanto o macho como a fêmea possuem um órgão faringiano, cuja localização tange o canal por onde passa o ar inalado. O epitélio de tal órgão é repleto de papilas e rugas, assim como células em forma de cálice. Acontece que no macho o órgão é consideravelmente maior e com maior número destas células caliciformes. Quando o macho decide construir o ninho, ele cria bolhas que passam por este órgão e elas são envoltas por um muco rico em glicoproteínas. É o que as faz permanecer como bolhas e não simplesmente estourar.
O betta também tem um belo display para atrair a fêmea, que se resume na movimentação ondular das nadadeiras abertas e na projeção do opérculo, expondo as brânquias. A fêmea pronta se aproxima e ele a envolve num abraço, indicando que é hora de soltar os ovos. O macho fertiliza, coleta com a boca e coloca os ovos, um a um, no ninho de bolhas. Quando a fêmea tiver acabado ela se afastará.
Criadores recomendam que não haja turbulência na água, provocada por alguma bomba ou filtro, pois mesmo tendo sido bem feito, a movimentação da superfície da água pode vir a destruir o ninho de bolhas. Se a ideia é mesmo procriá-lo, não esqueça de já ter em andamento algum plano para alimentação dos filhotes, como náuplios de artêmia, e manter a água em parâmetros ideais – sem filtro pode ser que você tenha problemas com amônia e pH, assim, vale a pena procurar por um suporte, como um condicionador de qualidade.
Vida Louca
Olhando assim, parece que os peixes de aquário cuidam muito bem de seus filhotes né? Mas, na verdade, a maioria não está muito preocupada em estratégias que envolvam cuidado parental. Eles escolhem um lugar para se reproduzir, deixam os ovos lá e, depois, é cada um por si. Quem são estes “desnaturados”?
Começaria citando os Caracídeos (família Characidae), que você já conhece bem: Tetra-Imperador (Nematobrycon palmeri), Neon Cardinal (Paracheirodon axelrodi), Tetra Neon (Paracheirodon innesi), Mato-Grosso (Hyphessobrycon eques), Rosáceo (Hyphessobrycon erythrostigma), Black Phantom (Hyphessobrycon megalopterus)…e tantos outros.
Estes peixes não exibem nenhum cuidado parental. De forma geral, estes caracídeos procuram uma formação densa de vegetação, onde realizam suas dancinhas ritualísticas e despejam os ovos, fertilizando-os na água. Após o frenesi reprodutivo, se os ovos estiverem à vista, certamente viram lanchinho. Assim, se o propósito for o de criação, então, é melhor retirar os adultos tão logo a desova seja verificada – como isso não é tarefa fácil, seguem sugestões para aumentar chances dos ovos vingarem.
Normalmente, quando falamos de reprodução de caracídeos, falamos de aquários dedicados a eles, a uma espécie normalmente (uma regra que serve para quaisquer espécies de peixe). Existem estratégias de hobbistas que podem ser aplicadas de forma global, como a utilização de musgos de Java, filtros de esponja com bombas de baixa vazão e aplicação de uma tela/malha cobrindo o fundo/substrato, por onde os ovos passam e os adultos não (não pode haver a possibilidade de peixes ficarem presos, veja bem o tamanho ok?!). É comum ver relatos de aquaristas dizendo que os tetras gostam de água madura, que significa não ser água de aquário recém-montado ou ser água preparada com antecedência para a ocasião.
O que se deve equalizar, para a espécie-alvo de sua criação, são os parâmetros da água. Por exemplo, os neons preferem água mais ácida (pH entre 5,5-6,0) e mais quente (28-29ºC) que a do Tetra-Imperador (pH 6,0-7,0 e temp. 23-27ºC), embora ambos prefiram água mole.
Outro grande grupo que pode ser citado como “sem cuidados parentais” são os Ciprinídeos (família Cyprinidae), onde estão inclusos, entre inúmeros peixes de aquário, o Paulistinha (Danio rerio), a Rásbora Arlequim (Trigonostigma heteromorpha) e os Barbus, como o Conchonius (Pethia conchonius), o Sumatrano (Puntigrus tetrazona) ou o Cereja (Puntius titteya).
Os peixes citados têm o hábito de espalhar sua desova, parecido com o que foi visto para os tetras, o que indica que as sugestões dadas para a preparação do aquário também são válidas: filtros de esponja, malha e musgo de Java. Este último item me faz lembrar de uma estratégia usada por aqueles que criam alguns tipos de Killifishes: a bruxinha.
A bruxinha, ou esfregão (spawning mop, em inglês), pode ser feita por você mesmo para usar com qualquer uma das espécies que pedem musgo de Java ou vegetação em moitas para esconder os ovos dos reprodutores. Para tanto, basta conseguir lã acrílica (não deteriora na água) e uma superfície rígida com 10-15cm (pode ser a capa de um CD ou DVD). Com a lã, são dadas de 30 a 50 voltas em torno da superfície. Numa das extremidades deve se passar um laço que envolva todos os fios dali, prendendo-o bem (esta parte será usada para prender a bruxinha). Com uma tesoura corte a extremidade oposta de onde está o nó que você acabou de dar. A finalidade do esfregão dará o arremate final: amarra-se uma pedra ou peso, se for para ficar no fundo (tetras e ciprinídeos), ou isopor ou rolha para flutuar (Killifish). Aquaristas costumam escolher cores escuras para as lãs, como forma de facilitar a visualização dos ovos, por contraste. Antes de colocar no aquário, ferva a bruxinha.
Sei que já falei demais, mas aproveitando o assunto da bruxinha queria citar um peixe que sempre adorei: o Killifish Aphyosemion australe. Para quem não conhece os Killifishes, tratam-se de belíssimos Cyprinodontiformes (Ordem taxonômica). O nome da Ordem parece com a dos ciprinídeos, Ordem Cypriniformes, e olhando para forma do corpo de alguns peixes, como o paulistinha, dá até para fazer alusões. Porém, os killies têm muita coisa diferente, estão mais próximos da família dos guppies e espadas (Poeciliidae), alvos de nosso próximo artigo, pois estão na mesma Ordem dos Cyprinodontiformes.
O A. australe, por sua vez, pertence à família Nothobranchiidae. É conhecido por não precisar de aquários de grande volume, sendo que um recipiente de 30 litros já é suficiente para abrigar um trio de reprodução: 1 macho e 2 fêmeas; se possível, insira troncos, raízes e plantas para gerar algum abrigo para as fêmeas. Também não é necessário utilizar filtragem, o essencial é ser fiel às TPAs semanais, de 25 a 30% do volume. Para reprodução, o aquário deve ter pH entre 6,0 e 7.0, temperatura entre 22 e 25ºC, com as bruxinhas flutuantes. Eles fazem a desova por entre os fios e em até 3 semanas os ovos eclodem; alevinos podem ser alimentados inicialmente com artêmia recém-eclodida. Esta espécie reserva alguma atenção à desova, guarnecendo o local com sua presença. Eventualmente alguns filhotes podem ser comidos.
O problema de escrever artigos de internet é que eles precisam ser concisos e não demandar muitas páginas e eu, quanto mais escrevo, mais vou lembrando da imensidão do aquarismo…Ainda dentro dos killies há algo a ser registrado, quanto às formas de reprodução. Conta a lenda que o prefixo “killi-” deriva do holandês, significando pequeno riacho ou poça (eu coloquei isso no Google tradutor, mas não deu certo). “Tá, e o que isso tem a ver?” Independentemente da verdade sobre a origem, a ideia do nome killifish representar “peixe de poça” indica o tipo de reprodução que quero citar. E aí, teve algum insight? Quando pensamos em poça, pensamos em um pouco d’água que ora está ali, ora não. Como um peixe vive num ambiente assim? A resposta está na reprodução: nem todos os killifishes põe ovos em esfregões, há também aqueles que, por habitarem corpos d’água que secam numa certa época, enterram os ovos no substrato. São os peixes anuais da família Rivulidae, sendo os mais comuns os representantes dos gêneros Austrolebias, Rivulus e Cynolebias. Para reproduzir estes tipos de peixe, são providenciados solos de turfa, o qual após a desova, é retirado, drenado e deixado descansando por um tempo (diapausa). Depois, ele é reidratado para que proporcione aos ovos a sensação de que “as chuvas voltaram” e eles eclodam. Concordo que não é considerado para iniciantes, mas conseguir completar o ciclo de um peixe destes é um feito sem igual, em termos de emoção.
Sério, ainda queria continuar falando…sempre esqueço algo, que lembro depois. Mas é isso aí, todo mundo tem mais coisa pra fazer além de ficar lendo estes artigos. Lembro que o próximo tratará sobre peixes ovovivíparos, encerrando a trilogia sobre reprodução. Espero que tenham gostado, nos vemos no próximo! Até lá e obrigado pela leitura!
Com Bravo de Bravura, e não de Braveza, Johnny Bravo (João Luís), escreve para revistas especializadas e para o blog da Sarlo há um cadim de tempo. Nessa jornada Julioverniana, após 20 Mil Léguas de textos, agora ele também desenvolve os roteiros para os vídeos de chamada do Sarlocast, onde você pode ouvir a sensual voz desse aquaman (tradução: homem de aquários).