Depois de escrever sobre alguns dos mais famosos peixes do aquarismo, por que não falar daqueles que são mais desconhecidos ou exóticos (no sentido de lindos e chamativos)? Para este artigo resolvi dar uma garimpada em nomes científicos de ciclídeos, estranhos a mim e que poderiam também ser desconhecidos para muitas pessoas. Acabei selecionando peixes conforme sua singularidade: beleza diferente, fora do padrão, distinta e escondida do olhar das multidões…até agora.

Obviamente devem existir muitos aquaristas que os conhecem, porém, além do intuito de apresentar peixes incomuns ou raros no aquarismo, há um apelo à sensibilidade, pois muitos deles estão ameaçados por algum motivo…algo que, para mim, colore mais ainda a singularidade destas espécies. Há também, no cerne destas palavras, a vontade de que todo aquele que se interesse pelo mundo aquarístico, comece a “fuçar”, “curiar”, pesquisar por si atrás de belezas perdidas e desenvolver o sentimento de cuidado, de carinho pelo que é vivo e a vontade de transmitir isso para o hobby.

Os nomes usados são os científicos, não para confundir você, pelo contrário, para que você possa usá-los em busca de imagens e informações pela internet com maior confiança…bora lá…

Os peixes da Singularidade

Metriaclima lanisticola

Pelo gênero taxonômico (Metriaclima…normalmente eu uso Maylandia, mas como a Fishbase está meio sem informação para este peixe, preferi deixar o nome mais moderninho mesmo), alguns poderiam dizer que se trata de um mbuna do lago Malawi, porém, este cara aqui é um peixe que vive em conchas – sim um shell-dweller (conchícula) – espalhadas em fundos arenosos do lago. Inclusive seu nome científico deriva do nome da concha que ele costuma habitar, veja só: lanisticola vem de “Lanistes”, que é um gênero de caramujo gastrópode, somado ao sufixo “cola” (latim: colere), que é “aquele que habita”, ou seja, “lanisticola” é aquele que habita as conchas de Lanistes.

É possível que, devido às constantes revisões de nomenclatura, você encontre o peixe sob o gênero Pseudotropheus (o mais antigo) ou Metriaclima (mais recente), ou ainda sob uma sinonímia: Pseudotropheus pursus. É bom também saber que, em termos de identificação, este peixe é muito confundido com Pseudotropheus livingstonii, por causa dos padrões de cores.

Agora, o que importa a você é que ele, por ser um conchícola, chega a 7cm em aquário; isso nos machos, pois fêmeas ficam pelos 5cm. Detalhe: machos que não atinjam 6cm têm prejudicada a sua posição de manter um território (normalmente nem se tornam territorialistas) e, consequentemente, de atrair fêmeas.

São bem distribuídos ao longo da costa sudeste do Malawi, sendo que seu lado “mbuna” determina populações pouco móveis entre regiões do lago, o que, por sua vez, implica no surgimento de várias populações que possuem diferenças, basicamente na coloração das nadadeiras, todavia, com algumas exceções: em certos lugares eles ficam maiores e impedidos de entrar nas conchas. De forma geral, quando as barras de estresse não estão evidenciadas, tons de amarelo e azul colorem o corpo do peixe.

Têm preferência por alimento vegetal e aqui reside uma curiosidade: o M. lanisticola já foi observado limpando nadadeiras de peixes (não-mbunas) que tinham fungos crescendo sobre elas (derivadas de algum machucado). Em aquários, por receberem outros tipos de comida, podem tender à obesidade.

Não são incomuns em aquários e os parâmetros seguem os que temos nos aquários de Malawians…

Neolamprologus niger

Imagina um leleupi (Neolamprologus leleupi)…só que negro (ou quase isso)! Em certas partes do lago Tanganyika (Isonga, Lyamembe, Muzimu…) existem versões negras da espécie (que deram nome à fera, já que “niger” é negro em latim). São bem parecidos com seus congêneres laranjas, no que tange a exacerbada agressividade entre os da mesma espécie, jeito de reproduzir e baixa densidade populacional.

Inclusive, ao tentar descrever hábitos e forma dele viver num aquário recaímos no mesmo que outrora falei sobre o leleupi…sim, também temos um artigo falando especificamente de CAs do lago Tanganyika, onde você pode se guiar em termos de layout e parâmetros para a água.

Cichlasoma portalegrense

Pra não ficar apenas nos lagos do Rift africano, trouxe aqui um nacional! Pelo nome já dá para imaginar…é um ciclídeo lá da região onde me formei, vindo de tributários que caem na Laguna dos Patos e também do rio Tramandaí, no Rio Grande do Sul.

São facilmente encontrados em ambientes estressantes, com águas barrentas ou paradas. Para o aquário, no entanto, recomenda-se pH 6,5 – 7,0 e temperatura entre 16°C – 24°C, para que ele possa atingir seu melhor. O porto-alegrense possui escamas metálicas com iridescência esverdeada e quando a luz certa bate nelas…meu irmão, que peixe magnífico! Nem é dos grandes, fica pela categoria dos “peixes anões”, maior um pouquinho talvez, pois segundo os registros encontrados fica entre os 11-15cm.

São territoriais, selecionam o local de desova e formam casais. Os machos parecem betas quando se enfrentam, pois se medem lateralmente com todas as nadadeiras abertas, ondulando o corpo e, na hora da porrada, abrem os opérculos e se engalfinham pela boca, chacoalhando fortemente, um preso ao outro. Há registros de que existe reversão sexual na espécie, onde fêmeas podem se transformar em machos funcionais.

Neolamprologus walteri

Sua versão mais bonita, na minha opinião, eu vi em fotos de Ad Konings, tiradas em Kigoma e Cape Bangwe, no lago Tanganyika, na costa da Tanzânia, pois elas são negras, com amarelo nas nadadeiras e olho e boca azuis.

O formato lembra muito o daffodil ou o brichardi, os quais já nos trazem alguns alertas quanto à agressividade. Quem já teve destes sabe que eles são gregários e “curtem” encurralar outros habitantes nos cantos do aquário, os quais muitas vezes se ejetam do tanque para parar com as agressões, o que é triste de se ver. Protegem com ferocidade território e crias, assim, o ideal é mantê-los em aquário monoespecífico.

Como curiosidade para esta espécie, especialmente se você é daqueles hobbistas que gosta de caracterizar o aquário como biótopo, é interessante saber que ela é encontrada em layouts diversos, porém, sempre contendo rochas ou formações similares, em águas numa profundidade média de 7 a 15m. Entretanto (e aí vem a tal da curiosidade) ele é comumente encontrado em zonas onde ficam acumuladas conchas de bivalve (quase exclusivamente de Pleiodon spekii). Cabe frisar que não falei “gastrópode” e sim “bivalve”, para o caso de você começar a achar que ele também seria um shell-dweller. Seu interesse nas conchas se reserva à excelente ideia de encontrar nessas formações abrigo para si e para suas crias. Tais bivalves costumam se fixar em superfícies sob águas rasas (de 20 a 50cm de profundidade), umas próximas às outras; como as valvas são grandes (10-15cm) sobra espaço para que eles nadem por entre elas. Também é legal saber que gostam de escavar sob as rochas (prenda-as bem no fundo), onde se escondem ou passam a noite.

A esta altura você já deve ter lido os artigos que falam sobre os peixes dos lagos africanos situados na falha geográfica, que chamamos Rift Valley. Se não leu, acredito que irá ler logo após este aqui e neles verá a importância de se mexer nas características da água. Para estes peixes é crucial a adição de sais próprios para CAs, os quais encontramos prontos para a venda no mercado. Ainda assim, sempre será necessário que você pesquise sobre a espécie adquirida, pois por vezes ela pode vir até mesmo requerer algum elemento traço importante para o organismo, visto que nossas águas de torneira não fornecem.

Ptychochromis insolitus

Este peixe eu trago para cá por três motivos principais: 1) por ser um ciclídeo de Madagascar, que é uma ilha isolada e que mostra seus próprios caminhos evolutivos; 2) pela forma desse peixe, o qual parece ter acabado de acordar (e a aparência dele é o motivo de seu nome “insolitus”, que do latim significaria algo como estranho, diferente ou esquisito); e 3) por estar “criticamente ameaçado de extinção”, segundo a Lista Vermelha da IUCN…o que me deixa muito triste.

Ele é endêmico da bacia do rio Sofia, um ambiente que sofre muito com a devastação causada pelo homem, via derrubada das florestas, assoreamento, poluição, coleta, introdução de espécies exóticas…ou seja, ele é atacado por todos os lados. Se for verdade o que li, parece-me que se tem conhecimento de apenas dois espécimes em aquário: são dois machos no aquário do Zoológico de Londres…procura-se uma namorada urgente!

Este peixe “fora do padrão”, para mim, é o que melhor reflete a ideia de singularidade que trouxe para este artigo. A “cara” de triste que ele parece ter é tal qual a imagem de um ambiente em declínio. E quantos mais “insolitos” sequer conheceremos? Será que em algum aquário em Madagascar alguém se preocupa em mantê-lo e reproduzi-lo, já que autoridades não deram conta? Num cenário tão dramático quanto o dele, o P. insolitus figura para mim um tesouro, uma beldade à beira da extinção…à beira do fim.

E por falar em “fim”…chegamos ao término de mais um texto. Felizmente aqui é um fim que tem tido um ciclo contínuo, quinzenal, cuja caminhada pelo Blog reacende com novas criações, lutas, conquistas e mostras das belezas do mundo aquático. O intuito sempre é o de contagiar os que rondam pelo mundo do aquarismo com as boas experiências que tenho tido, com as boas práticas com as quais fui formado no hobby…enfim, transmitir tudo que de bom encontro aqui.

Espero que tenham tido uma boa leitura! Agradeço a companhia e os aguardo no próximo artigo, até lá!

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