Acará, ou simplesmente cará – só depende do regionalismo, é um nome popular dado a uma série de Ciclídeos, os quais, dentre a infinidade de gêneros englobados, destaco: Gymnogeophagus, Geophagus, Laetacara, Aequidens, Cichlasoma, Satanoperca e outros menos comuns, até inusitados, como Apistogramma. Em meio às espécies mais conhecidas, destacam-se nessa nomenclatura informal: Astronotus ocellatus (Oscar), Geophagus brasiliensis, Mesonauta festivus (Acará-festivo)…por favor, lembrem-se, os artigos que escrevo vêm de leituras de inúmeras fontes, dentre papers e sites, assim, se está com esse ou com aquele nome é porque certa fonte colocou dessa forma, não é pra passar nenhuma afirmação irrefutável da verdade das coisas…especialmente quando falamos em termos populares e regionais.

Para evitar um artigo infinito sobre os carás do Brasil (que pode ser até mesmo uma espécie de inhame), pincei dois dos mais comuns acarás: o acará-bandeira (Pterophyllum scalare) e o acará-disco (Symphysodon discus), os quais estão entre os mais emblemáticos peixes de aquário em âmbito mundial.

Acará-Bandeira (Pterophyllum scalare)

Este peixe Amazônico, existente numa vasta área de rios ligados ao rio Amazonas, é praticamente inconfundível. O Bandeira exibe duas chamativas nadadeiras, que por sua vez parecem a vela (nadadeira dorsal) e o leme (nadadeira anal) de um veleiro, ou, por outra ótica, um aspecto “alado”, com duas asas abertas, que lhe confere lá fora o nome de angelfish (peixe-anjo). Alguém deve ter visto uma bandeira e seu formato e popularizou o nome, mas não encontrei informação convincente para repassar sobre a origem do nome “bandeira”.

Embora tenha citado no título apenas uma espécie, constam do Fishbase.org, três espécies de acará-bandeira: Pterophyllum scalare, P. altum e P. leopoldi. Por ser o P. scalare – de longe – o mais comum, resolvi tomá-lo como espécie-alvo do artigo. Ainda assim, está longe de ser uma espécie monótona em comportamento ou cores, visto que nas lojas encontramos esse peixe sob incontáveis variedades, sendo as mais comuns: véu, marmorato, fumaça, selvagem, negro, albino, ouro, palhaço, siamês, pérola etc. (algumas destas se misturam, criando um nome comercial).

Um dos principais problemas para quem não conhece bem a espécie e pretende procriar o Acará-Bandeira é identificar machos e fêmeas. É dito que indivíduos machos maduros e bem desenvolvidos, são maiores que as fêmeas e possuem o “calo” na cabeça – aquela protuberância que muitos ciclídeos machos desenvolvem quando estão marcadas as características sexuais secundárias. Porém, especialmente para quem não tem experiência e não vai fazer um venting (identificação por meio de observação da papila genital), isso não é nada convincente. Nestes casos, a grande verdade é que certeza mesmo a maioria das pessoas terá apenas após ver o pareamento do casal e o incremento na agressividade diante da proximidade do momento da reprodução (nesse instante, a fêmea acaba revelando na região ventral a papila genital, que é por onde os ovos passam). Para encontrar o “par ideal”, o lance é colocar num aquário 8 ou 10 indivíduos, esperando que casais se formem naturalmente com o passar do tempo – após isso, retiram-se os demais ou se separa o casal formado; aquários de grande porte são capazes de comportar mais de um casal formado.

Aproveitando a deixa, quando falo “grande porte” é porque quando se pretende tê-los em aquário e ainda deixá-los se reproduzir são aconselháveis aquários acima de 200 litros, para dar espaço para outros colegas continuarem nadando. “Por que tão grande?” Bem, o casal, uma vez constituído, procura uma superfície plana e larga, que podem ser folhas, pedras ou troncos, e começa a limpá-la, protegendo com vigor o território escolhido. “E daí?” Aí vem o problema, a agressividade do casal reprodutor é exacerbada nesse período e quando o lugar é muito pequeno, propicia seu aumento, podendo prejudicar física e comportamentalmente os outros habitantes.

Durante o rito de postura, a fêmea passa depositando os óvulos (adesivos) sobre a superfície selecionada (pode até mesmo ser o vidro do aquário), logo em seguida vem o macho, fertilizando-os. O casal protege ovos com afinco, permanecendo sempre ao lado “abanando” ou “soprando” para movimentar a água em volta e evitar que sejam atacados por fungos – se ocorrerem ovos “doentes” ou não fertilizados, que ficam opacos, eles serão comidos pelos próprios pais (pode ocorrer que casais de primeira viagem comam toda a postura de ovos). Ovos eclodem em 2 dias e, cerca de 5 dias depois, os alevinos já podem vir a receber alimento, como náuplios de artêmia, uma vez que já estarão nadando. Estes pequenos seres também estarão sobre proteção atenta dos pais, a qual pode ser mantida por até 2 meses – criadores costumam removê-los no primeiro mês.

Dicas para promover a desova? É dito que todos os ciclídeos lateralmente compressos são sensíveis ao nitrito e à amônia  que não esteja ionizada (NH3) – aspectos de aquários recém-montados ou muito malcuidados. Além disso, são tidos como aceleradores de reprodução a manutenção da temperatura em torno dos 28ºC, pH entre 6.8 e 7.2, aumento de alimento vivo ministrado, trocas parciais de água e entre 8 e 12 horas de luz.

Acará-Disco

Assim como o Bandeira recebeu seu nome, o Acará-Disco também cambou por essa vereda, ganhando seu nome popular em virtude de seu formato de CD.

Constam do Fishbase.org, três espécies de acará-disco: Symphysodon aequifasciatus, S. discus e S. tarzoo. Até meados da primeira década deste século, apenas duas eram reconhecidas oficialmente: Symphysodon discus(descoberta por Heckel em 1840) e Symphysodon aequifasciatus (registrada por Pellegrin em 1904). Porém, novas pesquisas mostraram haver uma terceira, S. tarzoo, o que pode ser entendido ao se ler o artigo de J.S. Ready, E.J.G. Ferreira e S.O. Kullander, de 2006 é uma boa leitura (em língua inglesa).

Sei que sempre há uma confusão ao se falar que só existem 3 espécies, sendo que a loja perto da sua casa tem mais de 30 Discos diferentes. Isso, na verdade, são “variedades”, conseguidas por meio de seleção de certas características (pintas, cores, formato etc.) ao longo das gerações. Nesse âmbito realmente você encontra uma infindável quantidade, tais como: Pigeon, Red Marlboro, Blue Diamont, Cobalt Blue, Snakeskin ou Red Turquesa…e por aí vai.

O Acará-Disco também é amazônico. Em termos de distribuição geográfica, S. discus ocorre nas bacias dos rios Negro, Abacaxis e Trombetas, enquanto que S. aequifasciatus é visto por toda extensão do rio Amazonas; ambas espécies sempre associadas às áreas de inundação sazonal. S. tarzoo, fica concentrado numa antiga falha geológica denominada “Arco Purus”, que foi um divisor de águas há muito, o qual parece determinar essa divisão geográfica (mais a oeste).

Independentemente da espécie adquirida, falamos de um peixe amazônico, o que significa água quente (28º-30ºC) e ácida,  na maioria das vezes.

O Acará-Disco pode ocorrer em qualquer um dos 3 tipos de água amazônica: 1) Água Negra (presença de ácidos húmicos e fúlvicos, assim como tanino, oriundos da decomposição vegetal; pobre em nutrientes/minerais dissolvidos, boa transparência e fluxo lento), 2) Água Branca (rica em nutrientes, com grandes concentrações de matéria dissolvida e em suspensão, tendendo a ser túrbida; pH mais alto, próximo ao neutro) e 3) Água Clara (características mais próximas às negras, com exceção da cor, pois advêm de regiões de drenagem donde não têm muito o que carrear – zonas de baixa erosão).

Em termos de reprodução, o Acará-Disco alcança a maturidade em cerca de um ano, quando ele procura um único parceiro para aquele período. O casal formado escolhe, limpa e protege um território, tal como ocorre com o Acará-Bandeira, provavelmente uma superfície plana, como uma folha larga, uma pedra ou um tronco. Os Discos, tampouco, são fáceis de definir macho e fêmea, por se tratar de uma espécie monomórfica, porém, logo após a desova o oviduto da fêmea fica mais aparente e facilita a identificação. A desova não é posta de uma só vez, ela pode ocorrer em mais de uma etapa.

Este peixe é conhecido como um dos poucos ciclídeos que produzem um muco nutritivo que serve de alimento para a cria recém-nascida, chamado por muitos de “Discus Milk” (leite de disco). Trata-se de uma substância crucial para a sobrevivência dos alevinos nos primeiros estágios de vida. Por isso, se você vir os peixinhos beliscando os pais no aquário (parece um “enxame” ao redor do adulto), saiba que eles estão se alimentando.

O aquário de acarás

Como vimos, ambos acarás (e suas espécies) são amazônicos. Dessa forma, o aquário para essas espécies possui algumas características em comum (não estamos falando de aquário para reprodução): aquário grande (mínimo 200 litros – lembrando que ambos acarás não são pequenos e têm comportamento gregário), decorado como “fundo de rio” (raízes, galhos e vegetação), água ácida e oxigênio dissolvido na água (necessidade de movimentação da água).

Além do gosto pessoal por layouts, há que se ressaltar os Discos frequentam as margens dos rios e as áreas alagadas, detalhe que pode lhe auxiliar a criar um ambiente mais agradável ao peixe. Um tipo que é recomendado é a galhada, que se baseia num cenário de diversos galhos/raízes entremeados.

Pedras, troncos e folhas são condizentes com qualquer arranjo adotado. Nossos dois acarás têm a vantagem de, além de serem coloridos e maravilhosos, não serem arrancadores de vegetação. Ao se optar por aquário com plantas, é possível que elas venham a requerer substrato fértil  e iluminação adequada.

Ainda, no tocante aos cuidados com os Discos, é salutar a lembrança de que ele não é um peixe para iniciantes, visto que requer atenção especial em relação aos nitritos e à amônia, os quais precisam estar zerados. Os Discus são muito ativos, gostam de comer, e podem influenciar nas condições da água. O que a grande maioria dos mantenedores recomenda são constantes trocas parciais de água de 20% a cada dois dias. O número de teorias a respeito dessa periodicidade é imenso, entretanto, para você entender basta controlar os parâmetros acima e fazer, ao menos, uma troca semanal.

Esses foram apenas dois acarás, imersos numa infinidade de espécies a serem abordadas. Mais (muito mais) pode ser descoberto nessa divisão informal de ciclídeos. Não é à toa que esta família é uma das mais famosas e cobiçadas em todo aquarismo mundial, além de graciosos, possuem minúcias que cativam os mais diferentes tipos de aquaristas. Por isso que sou mais Ciclídeo.

Termino aqui mais um artiguinho, esperando que tenham gostado. Aguardo vocês no próximo! Até lá!

Carrinho

Topo