A princípio você pode ter pensado que se tratava de um título de novela mexicana e até conferiu para ver se o blog era mesmo o da Sarlo, mas fique tranquilo, você está no lugar certo e estamos falando mesmo de peixes, basicamente dois gêneros de atípicos tetras.

Ao passo em que costumamos atribuir “tetra” a peixes pequenos da família Characidae, visto que nessa superfamília (algo em torno de 800 espécies em, pelo menos, 52 gêneros…pelo menos hoje pela manhã enquanto tomava café) muitas espécies encontram-se numa situação chamada “Incertae Sedis” (algo do tipo “tetra é sua vó!”, ou seja, que precisam ganhar nomes adequados, uma vez que existem muitos táxons-cabide necessitando urgentemente de revisão), a realidade é que o nome vai muito além do estereótipo de imaginamos.

Assim como “lambari” pode se referir a mais de 85 espécies descritas do gênero Astyanax ou, ainda, mais de 55 de Moenkhausia, o termo “tetra” pode fazer referência a peixes como o Tetra do Congo (Phenacogrammus interruptus) da família Alestidae ou peixes da família Stevardiinae (ex: Diapoma terofali), designados apenas por tetra no Uruguai, enquanto que no Brasil chamamos de lambari…a verdade é: ninguém se decide. “Há algo em comum nessa história toda?” Sim, os tetras pertencem à Ordem Characiformes.

O que trago hoje são simpaticíssimos e apaixonante peixes da Família Lebiasinidae. Segundo nota do FishBase.org, tal família é representada por 7 gêneros e 77 espécies, os quais não são de todo desconhecidos, pois nobres e comuns representantes da família encontram-se nas lojas de aquário: os peixes-lápis. Ainda assim, para tornar mais específica a conversa aqui, adentraremos ainda mais, indo para a subdivisão na qual encontramos os gêneros Copella e Copeina, pertencentes à Subfamília Pyrrhulininae.

Copeina guttata (copeína rubi, redspotted tetra)


Copeína, para os íntimos, ou, para alguns mais antigos, pode ainda ser conhecida como Pirrulina (Pyrrhulina guttata ou ainda Pyrrhulina argyrops, ambas sinonímias antigas, já ultrapassadas). Dá pra perceber que é dela que deriva o nome da Subfamília a qual acabamos de adentrar, não é mesmo? O fato é que, após as mudanças, restou o verdadeiro significado de seu nome: “guttata”, termo que significa “pintada” ou “com pintas”, e é a característica que a distingue. Seu corpo tem tonalidade esverdeada, todo salpicado de vermelho, sendo que o dorso costuma possuir um cinza ou marrom por todo comprimento – as pontas das nadadeiras caudal, anal e ventral são vermelhas ou laranjas.

É um peixe excelente para um aqua biótopo amazônico, tanto pelo comportamento tranquilo, como pelo tamanho que atinge (chega a 7-7,5 cm nos machos) e também pelos hábitos peculiares da espécie.

Por serem oriundos do centro da bacia Amazônica, já prevemos serem peixes de águas quentes (23 a 28°C), o que provavelmente exigirá de você o uso de termostato e aquecedor. Embora registre-se que ocorram em locais de pH ácido (4,0) até levemente alcalino (7,5), são tidos como peixes que não toleram poluentes – falei dessa forma, porque existem pessoas que veem a queda do pH no aquário, derivada do acúmulo de matéria orgânica em deposição, achando que está ok para as copeínas; entretanto, não funciona assim, serão necessárias trocas parciais de água – TPAs constantes. Isso deixa explícito que não gostam de águas sujas e que, talvez, você possa precisar de condicionadores de água que a tornem ácida. Aquários acima de 100 litros também estão em voga nas recomendações para a manutenção correta deste peixe, como veremos mais à frente.

Quando olhamos para a copeína vemos que sua boca é voltada para a superfície, design que nos mostra que prefere alimentar-se na superfície. Na natureza preda larvas de insetos, porém, nos aquários não costuma rejeitar comida, sendo que se aconselha comida flocada e bloodworm, Daphnia, e Artemia, sejam eles congelados ou vivos.

É costumeiro ouvir de aquaristas que o melhor desse peixe, em termos de desenvoltura (cores, tamanho e comportamento reprodutivo) se dá em aquários cujo dono esmerou-se para reproduzir o ambiente natural. Isso significa, na maioria dos casos, a construção de um biótopo, com manutenção de plantas naturais e substrato de coloração escura e granulometria arenosa ou mais fina, adornado com troncos e raízes, promovendo locais de sombreamento – o uso de plantas flutuantes ajuda nisso. É apontando que preferem luz reduzida, o que beneficiaria plantas como as do gênero Microsorum ou Anubia.

A justificativa para ter sido dada maior especificação quanto ao tipo de substrato tem suas bases nos aspectos reprodutivos, uma vez que o macho tem o hábito de fazer um “ninho” cavando o fundo – não mais que uma depressão rasa (cabe ressaltar, para fins de identificação dos sexos, que os machos são, normalmente, de coloração mais exuberante, nadadeiras mais desenvolvidas, bem como tamanho mais pronunciado). O ritual amoroso consiste numa vigorosa “dancinha do acasalamento” do macho e posterior emparelhamento com a fêmea, momento no qual ele se coloca ligeiramente inclinado sob ela. A nadadeira anal do macho forma uma espécie de bolso que receberá os ovos, fecundando-os antes que caiam no abaulamento (ninho) que preparara antes. É ele quem faz a guarda dos ovos, tornando-se agressivo com a fêmea logo após o término da cópula – é por esta razão que o aquário recomendando é de 100 litros pra cima e que contenha exuberante decoração natural. A eclosão dos ovos se dá em cerca de 48 horas e, neste momento, o macho já pode comer os filhotes (outro motivo para existir riqueza de vegetação) – se você tem o intuito de procriar o peixe, pense em estratégias para proteger a fêmea e os alevinos.

Copella arnoldi (splash tetra)


Antiga Copeina arnoldi, cujo nome novo “Copella” deriva de um diminutivo de Copeína, o que faz sentido já que a chefona tem quase 8 cm, como vimos, enquanto esta aqui tem apenas metade do tamanho (3,5-4 cm). Dessa vez o nome que mais dá sentido ao peixe não é o que deriva do latim, mas sim do inglês. Quando ouvimos “splash”, pensamos num mergulho, algo caindo na água e espalhando-a. Pois então, isso diz tudo sobre sua forma de reprodução…que eu acho particularmente espetacular.

Diferentemente de sua “prima” copeína, aqui o casal é, no começo, mais à la Leonardo DiCaprio e Kate Winslet, no filme Titanic. Ele a encanta tanto que ela fica disposta a dar um salto no desconhecido em busca do amor (não, não estou bebendo nada, escrevo totalmente sóbrio…sou assim mesmo). O que acontece é, basicamente, que o macho fica repetidamente saltando para fora d’água, escolhendo um bom lugar para que ocorra a desova. Então ele a atrai para debaixo do lugar escolhido e no auge do clímax ambos pulam para fora d’água, firmando-se na folha (superfície) escolhida, deixando ali seus ovos fecundados. Podem ser repetidos saltos conjuntos, onde os reprodutores ficam até cerca de 10 segundos no ato de cópula, depositando poucas unidades ou dezenas de cada vez, até o fim do processo que pode resultar em até 100 ou 200 ovos.

Aqui também acaba o romance de nosso DiCaprio, que expulsa a fêmea e monta guarda sob a folha – o macho é consideravelmente maior, mais colorido e com nadadeiras maiores e pontiagudas. Para que os ovos não ressequem, o cuidadoso macho lança constantemente (até a eclosão) “splashes” de água, utilizando a cauda para tal. Viu como o nome em inglês tem tudo a ver?

Em aproximadamente 2 dias, os ovos caem na água, plantas de superfície auxiliam na proteção, escondendo-os – o próprio papai pode comê-los.

É também um peixe Amazônico, todavia, ocorrendo em inúmeras regiões do bioma, incluindo áreas que alagam durante o período das chuvas, sugerindo sombreamento e vegetação abundante. Os parâmetros podem ser os mesmos descritos para a copeína, porém, a recomendação extra para a copella seria para que o aquarista se preocupasse em possuir plantas emersas em seu layout, com folhas pendendo sobre a lâmina d’água. É certo que você encontrará relatos de copellas reproduzindo no próprio vidro do aquário (acima da superfície), mas aqui falamos em tornar o ambiente adequado para os amigos que escolhemos cuidar.

…E por falar nisso: Vegetação flutuante, folhas mortas (como feito para certos aquas de apistos), troncos e raízes fornecem abrigo e sombreamento adequados, além de favorecem desenvolvimento de vida microscópica. Digo isso porque na natureza as copellas predam sobre o zooplâncton (ex: Daphnia), algo que deveria ser considerado para a manutenção da espécie – como são menores (bocas pequenas), provavelmente preferirão náuplios de Artemia. Aquários com microvida que sirva de alimento a filhotes e adultos é sinônimo de aquário já montando a algum tempo, um dos requisitos que muitos aquaristas, que têm experiência na criação deste peixe, recomendam. Outra coisa que poderia servir de dica é a escolha das bombas que movem os filtros; para evitar que a água seja revolta, atrapalhando tudo que já vimos até aqui, opte por bombas de baixa vazão.

Só sei que se você tem um aquário com as características propícias para receber um peixe como este, faça-o! Não há contraindicações e você ainda pode presenciar espetáculos como o de sua reprodução.

Olha que louco! Peixes concentrados na mesma Subfamília, ou seja, filogeneticamente próximos (tipo primos), e com hábitos tão diversos. Em ambas espécies o macho protege os ovos, mas uma desova fora d’água e a outra no substrato. Mesmo sendo peixes cuja forma do corpo os habilita a viver próximos a superfície, possuem tão distintas escolhas reprodutivas.

Eu não me canso de ficar impressionado. É por isso que sigo escrevendo…há muita magia na vida e o aquarismo me traz bons exemplos disso! Vou ficando por aqui e espero que tenham gostado do texto, até a próxima!

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