Antes de mais nada, claro, iniciamos desejando a todos um excelente 2019, com votos de que este ano tudo seja cristalino em sua vida, para que possa enxergar o caminho sem turbidez, muita saúde e muito dinheiro, mas sem amônia ou oscilações bruscas de temperatura e pH. Aspirações clássicas de um aquarista.

Sem mais delongas, trago neste início de ano um tema para reflexão, associando a riqueza de nossa fauna aquática, de peixes ornamentais obviamente, com a necessidade de preservação de nossa biodiversidade. Vamos falar dos fantásticos peixes ornamentais que têm sua origem em águas brasileiras.

Não é difícil imaginar que num dos países mais biodiversos do mundo, quando falamos de espécies ornamentais não nos referimos apenas a uma família ou a um conjunto razoável de espécies, mas sim a algo muito maior que isso. Temos, como candidatos aos aquários, representantes das famílias Apteronotidae, Cichlidae, Callichthyidae, Characidae, Loricariidae, Poecilidae e por aí vai…são centenas de espécies.

No Brasil, sem exagero, estão as espécies mais cobiçadas em todo mundo, vide os Discos, Apistos, Neons e o icônico Cascudo Zebra, alvos do comércio e do tráfico internacionais. Temos peixes de cardume, elétricos, que grudam nos vidros, em forma de disco, fusiforme ou meia lua…de tudo temos um pouco. Fiz até uma modesta lista com alguns dos mais emblemáticos, para visualizar a diversidade que dispomos e onde eles se encontram.

Tipos de aquários que podem ser montados só com espécies brasileiras

As maravilhas do Brasil são de encher os olhos, pois temos a capacidade de recriar inúmeros biótopos num único recinto sem deixar o ambiente monótono. Só para se ter a ideia, cito alguns:

Água Negra (black water): trata-se de um biótopo que possui uma água com aspecto de chá mate Leão. Isso é devido aos ácidos húmicos e fúlvicos e um composto chamado tanino, oriundos da decomposição vegetal, fatores que fazem o pH despencar para a acidez. Cursos d’água com esta denominação são, normalmente, pobres em nutrientes (minerais dissolvidos), com boa transparência e possuem fluxo lento. O melhor exemplo é o rio Negro, mas também podemos elencar aqui os rios Tefé, Arapiuns (afluente do Tapajós) e Vaupés, entre outros. Muitos Apistos vivem neste tipo de água.

Galhada: tal ambiente pode ser caracterizado por um sem número de galhos, troncos e raízes entremeados, onde os peixes procuram sossego e abrigo. Certamente a água será afetada pela decomposição natural de madeira submersa, mas não precisa ser necessariamente uma black water. É um dos ambientes frequentados pelos Discos.

Calha de Rio/Riacho: substrato arenoso, adornado com rochas e troncos, alguma vegetação que combine com água em movimento…uma fórmula simples para simular um ambiente comum em nosso país. Alguns tetras adoram esta configuração.

Corredeiras: substrato composto por seixos rolados, troncos e rochas maiores com água em constante movimento. As correntes d’água podem ser reproduzidas em aquário com o aumento do número ou da potência das bombas submersas.  Diversos tipos de cascudos vivem aqui.

Plantas naturais: aqui temos um layout que concilia zonas vegetadas com áreas em que os peixes possam nadar. O fluxo de água deve ser lento, o substrato fértil  e a quantidade de peixes recomendada é sempre baixa, assim como a seleção de espécies é criteriosa.

Obviamente a quantidade de ambientes que podem ser recriados em casa é muito maior. A inspiração para isso pode ser encontrada diretamente na natureza, em fotos e vídeos de quem faz as expedições por este Brasilzão, nos exemplos de aquapaisagismo natural etc.

E se tudo isso sumisse?

E se a paisagem natural brasileira desaparecer? Certamente, com ela iriam embora também as espécies de aquário. Sabemos que uma das maiores perdas de biodiversidade está associada à supressão dos ambientes naturais, o que inclui não apenas plantas, mas todos os tipos de organismos.

Nesse cenário, algumas espécies são mais suscetíveis que outras. A partir de uma maneira mais fácil de se pensar, considerando, por exemplo, os lugares onde vivem alguns dos killifishes anuais, que por vezes, aos olhos menos preparados, não passam de meras poças d’água, charcos pantanosos ou filetes intermitentes que “não servem para nada”. Acontece de fato, e é o que nos faz temer um pouco, que lugares assim, especialmente quando próximos de centros urbanos, são drenados ou aterrados para a construção imobiliária. Se pensarmos que para certas espécies de Killies o endemismo é restrito a áreas diminutas, a chance delas desaparecerem da Terra para sempre é consideravelmente relevante. A fórmula para tal grupo baseia-se em algo do tipo: perda de habitat + distribuição restrita + baixa capacidade de dispersão = extinção. A trágica ironia que envolve os killifishes é que, no geral, embora estejam presentes em todos os biomas brasileiros, o contexto de sua “fórmula” (endemismo) os coloca como o grupo de peixes mais ameaçado no país.

Registro que perda de habitat não é a única forma de prejuízo à biodiversidade. A coleta de peixes sem uma gestão racional e o tráfico de animais (normalmente associado aos maus tratos), também são graves ameaças. Poderíamos até mesmo elencar como prejudicial algo que aparentemente seja positivo: Criação para Repovoamento. A criação de espécies nativas para repovoamento de cursos d’água naturais pode incorrer na endogamia (consanguinidade), onde uma das consequências mais preocupantes é a redução da variabilidade genética na natureza, uma vez que a introdução feita seria composta de indivíduos aparentados. Não é inviável, mas os operadores do processo precisariam garantir coerência em termos de variabilidade gênica, estratégias de soltura e monitoramento para obter um resultado de sucesso.

Tive a curiosidade de buscar espécies ornamentais no “Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção, Volume VI – Peixes, de 2018 (recém-lançado)”, produzido pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio, só para exemplificar. Abaixo elaborei uma tabela com uma lista (não exaustiva) de peixes de aquário enquadrados em status de ameaça de extinção. As siglas na terceira coluna significam, em ordem do mais preocupante para o menos: CR – Criticamente em Perigo, EN – Em perigo e VU – Vulnerável.

O valor que dou ao aquarismo reflete em mim como a chance das pessoas criarem afeição pelos peixes e começarem a se preocupar com seu bem-estar, tanto no aquário como na natureza. Está nas mãos de todos nós os destinos de muitos organismos, dentre eles os peixes de aquário…e este é um dos motivos pelos quais sigo escrevendo artigos.

É bom vê-los de volta ao Blog e assim espero que seja enquanto houver assunto para escrever. Obrigado pela leitura e até o próximo artigo! Feliz 2019!

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