Muitas pessoas apenas se importam com a questão do peixe ter alguma cor para servir de atrativo em seus aquários, mas nunca se perguntaram o porquê de um ser subaquático possuir coloração. É certo, obviamente, que muito do que temos hoje no mercado do aquarismo é produto de gerações e gerações de peixes selecionados para chegar a determinadas combinações de características, dentre elas a cor. O intuito do artigo, porém, não é xingar ou exaltar as tendências de criadores e hobbystas, e sim ir aos bastidores da evolução para tentar vislumbrar o que há por trás das cores dos peixes.

Se você pensa que é pura coincidência um peixe ser vermelho ou azul, posso adiantar que há muito mais a descobrir…bora ver o que temos para hoje!

De onde vêm as cores dos Peixes?

Primeiro, acho que é importante entender o conceito da unidade elementar que permite toda a maravilha que vemos: o cromatóforo (também pode ser chamado cromatócito). Cromatóforos são células da pele que revestem os peixes (e muitos outros tipos de organismos) capazes de sintetizar e armazenar pigmentos, os quais ao sofrerem a incidência de luz, refletem as cores que vemos. Cabe ressaltar que eles também podem ocorrer nos olhos, colorindo-os, escamas e nadadeiras.

Os cromatóforos podem ser classificados segundo a cor refletida, o que nos dá seis tipos: 1) melanóforos (pretos ou marrons), 2) xantóforos (amarelos), 3) eritróforos (vermelhos) e 4) cianóforos (azuis) – pigmentos azuis e vermelhos, muitas vezes, estão relacionados a alertas (comunicação com outros organismos), 5) iridóforos (refletivos ou iridescentes, vinculadas à habilidade de camuflagem) e 6) leucóforos (possuem cristais de purina que reduzem a difração da luz, produzindo coloração branca ou prateada). Os cromatóforos podem ainda ser agrupados em dois grupos: 1) biocromos, aqueles que armazenam de fato os pigmentos (melanóforos, xantóforos, eritróforos e cianóforos) e 2) estruturais, os que refletem, refratam ou dispersam a luz por meio das estruturas presentes nas células (iridóforos e leucóforos).

“E de onde vêm esses pigmentos?” Nos peixes ósseos, alguns podem ser sintetizados, como a eumelanina, enquanto outros, como os carotenoides, precisam ser supridos por meio da dieta.

A coloração, por sua vez, não apareceu aleatoriamente e sem propósito no peixe. As cores e os padrões existentes no corpo de um peixe derivam das pressões evolutivas, onde a seleção atuou. Tais características estão, normalmente, vinculadas a adaptações ao ambiente circundante, frequentemente resultando em “coloração críptica” (tradução literal e pessoal do inglês Cryptic Coloration, que se manifestaria como uma tática ou defesa para disfarçar a aparência ao se misturar ao ambiente), mas também, como seria o caso dos meus amados Ciclídeos Africanos – CAs, colocando-as em incomparável evidência.

Para que servem as cores dos Peixes?

Esta é a parte com maior serventia para o nosso hobby, pois conhecendo mais o que temos podemos cuidar melhor. Na verdade, já adiantei um pouco a resposta, pois se trata de evolução, mas se o assunto versa sobre um avanço é melhor entendermos no que isso se refletiu.

As cores nos peixes podem se dividir em dois grupos de função: informação (padrões de display) e evasão (padrões de camuflagem). Embora você esteja me achando meio “divisível” hoje, esta última divisão é facilmente adequada à anterior, onde parece que os “biocromos” tratam de informar, enquanto os “estruturais” de evadir. Vou explicar melhor com exemplos…porém, antes de mais nada, deixo claro que os exemplos partem apenas do princípio de incitar o pensamento, não são, necessariamente, provas cabais e irrefutáveis. Vamos lá…

O que seria a função de “informação”?

Neste âmbito, refiro-me à comunicação do peixe em si, por meio do uso de cores. Especialmente para peixes coloridos como os CAs, a coloração é uma importante forma de passar mensagens adiante e daqui podemos destacar inúmeras facetas.

Não é difícil lermos textos em que são citadas expressões como “as cores do peixe dominante” ou “expressando o padrão agressivo de cores”. Aqui, facilmente, podemos perceber o que a função de informação significa. Quando um Maylandia zebra revela suas matizes ao rochedo, as cores ostentadas por ele dizem aos demais ao redor “esta pedra é minha, pois não há ninguém mais apto do que eu para levar a frente o gene da minha espécie…queridas fêmeas, estou aqui!” Para chegar a este ponto, colocar cores em seu corpo e mais, sustentá-las contra as incansáveis investidas de seus rivais, tal peixe precisa mesmo ser alfa. As cores aqui estão falando com os outros, dizendo que o peixe tem dominância da área, aptidão física para se manter ali, capacidade de obtenção de alimento e é uma excelente escolha para a reprodução. Peixes submissos, só de olhar já desistem de se aproximar (a submissão de um peixe pode ser apenas momentânea, aguardando melhor momento para trazer à tona o verdadeiro potencial do animal).

Lembro que “a escolha do macho pela fêmea”, um dos passos mais importantes da especiação (formação de novas espécies) dos CAs, tem na cor uma das mais significativas bases (mesmo não sendo a única relevante), tanto que o processo ainda se encontra em vigor. A família Cichlidae é dividida em inúmeras tribos, dentre as quais estão os africanos Haplocromídeos, onde é comum a dicromia (machos ostentam cores vibrantes e as fêmeas aquilo que já definimos como “coloração críptica”, característica normalmente atribuída a espécies polígamas com incubação bucal materna). O dimorfismo sexual gritante, assim, demonstra o quão não casual é o encontro amoroso dos peixes, chegando a níveis de isolamento reprodutivo por causa da cor (peixes fora do padrão são rejeitados) e consequente especiação.

Destaco ainda que quando as nuances de cores são usadas para informação, a mudança costuma ser rápida, justamente para trazer vantagens em nível individual, permitindo ajustes e flexibilidade, dependendo da situação (submissão, display sexual etc.), evitando assim gasto desnecessário de energia; normalmente o submisso o faz esmaecendo ou escurecendo suas cores (supressão das cores de dominância).

E quanto à “evasão”?

Evasão é considerada aqui no sentido do indivíduo querer “ficar na dele”, sem ser percebido ou confundindo o que os outros veem, podendo ser um aspecto defensivo ou tático.

A coloração críptica das fêmeas de CAs que possuem incubação bucal é justamente para afastar delas a pressão de competição que as cores carregam consigo, deixando-as com energia suficiente para levar à frente o processo de cuidado com os ovos.

Porém, não se trata somente ficar fora de evidência, as habilidades de evasão também podem estar atribuídas, por exemplo, à camuflagem (imita o ambiente), tanto para se esconder como para emboscar.

Vamos misturar tudo um pouco? Para você não achar que COR, uma palavra com apenas três letras, é simples nesse tanto, pense que os padrões de cores não variam apenas entre as espécies e sim também entre populações de uma mesma espécie ou mesmo dentro dos diferentes estágios de desenvolvimento. Refiro-me ao Policromatismo, que nada mais é que a variação dos padrões de coloração dentro de uma mesma espécie.

Para quem conhece bem os CAs, fica fácil imaginar os filhotes nascendo com as mesmas características de coloração da mãe. Policromatismo em CAs, no entanto, pode ocorrer entre populações com ou sem barreiras geográficas.

Outro exemplo, que leva para a camuflagem, é a coloração de juvenis de peixes que habitam zonas rasas, onde os corpos podem ser cobertos por padrões de manchas claras que lembram as ondulações na superfície; a medida que o peixe cresce, migra para águas mais fundas e assume outra coloração. Policromatismo, podem assim, diferenciar filhote de adulto, macho de fêmea, adulto reprodutor de adulto fora da época de reprodução etc.

“E as opções de uso das cores terminam por aqui.” Na verdade não, há uma miríade de variações. Cores podem servir de máscara, que é quando um peixe tenta se parecer com outro, repetindo cores e padrões de distribuição delas; ou se pigmentam com “falsos olhos”, comum em peixes marinhos recifais que possuem imitações de olhos na outra extremidade, dando a impressão de estarem sempre alertas, confundindo potenciais predadores; ou podem se valer de uma barra escura vertical que esconde o olho, detalhe que em predadores serve para ocultar a posição do olho (normalmente de fácil identificação pela presa).

Assim, podemos concluir que a ampla variedade de cores e padrões testemunha sobre a necessidade que os peixes possuem em reconhecer e se comunicar com o mundo ao redor.

Como posso valorizar as cores dos Peixes?

Sabendo de todo esse trabalho que os peixes tiveram para conquistar e manter suas cores, fica até chato para nós aquaristas não valorizar isso, não é mesmo?

Independentemente dos peixes que você escolheu para manter num aquário, não há necessidade de que a água seja turva. Concorda? Não estamos falando de pH, dureza, temperatura ou amônia, mas sim de visibilidade, turbidez e saúde do peixe. Dessa fora, eu elencaria três tópicos para serem considerados nessa valorização:

1.     Iluminação adequada: aqui é “papo-reto”, sem rodeios e a dica é evitar luz monocromática (luz branca é ideal). Obviamente existem macetes, em que o aquarista joga uma ou outra lâmpada colorida para realçar as cores, tipo: actínica para peixes azuis e rosadas para peixes de cores quentes (amarelo, laranja ou vermelho).

2.     Água cristalina: considerando que a iluminação está ok, para que os peixes possam se ver sem distúrbios, é essencial que a quantidade de partículas em suspenção na água seja mínima. Um bom filtro é indispensável. Além disso, pode ser que seu aquário requeira algum suporte do tipo Carvão Ativado ou Help Filter, para auxiliar a retirada do excesso de partículas. Em caso de bloom de algas verdes, como estratégia de emergência, é possível se utilizar um filtro UV,  para controlar a proliferação desenfreada.

3.     Alimentação adequada: lembra que falei que os carotenoides (pigmento vermelhos ou laranjas) não são sintetizados pelos peixes? Então, carotenoides são metabolizados e transportados para os eritróforos e advêm da ração ministrada. Dessa forma é indispensável, ao se ter peixes que naturalmente possuem vermelho, possuir uma ração com tais características nutricionais. Vale ainda destacar que fornecer suplementos ou livrar os peixes de parasitas internos, também reflete em ganho de saúde e, consequentemente, ganho de cor.

E assim chegamos a este final colorido, cheio de possibilidades, onde tentei levar adiante mais uma das coisas que me fascina nos peixes. Espero que estas palavras tenham conseguido levar um pouco dessa narrativa de poesia que existe na vida do planeta Terra, que as vezes está super escondida, porém, outras vezes, tais como as cores, está à vista de todos. Agradeço a leitura e espero você no próximo artigo, até lá!

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