Hoje começo invertendo o que normalmente faço, pois já começo dando a minha opinião sobre o conteúdo. No seu caso, ouça e vá pensando a respeito. Em relação aos peixes ornamentais geneticamente modificados, eu (Johnny) não gosto, acho-os inúteis para os fins do hobby, dada a vasta quantidade de cores e formas que a natureza já provê. E você, o que pensa sobre ter peixes geneticamente modificados? Alguma vez já passou pela sua cabeça o que são eles e porque eles existem? Já teve, tem ou terá?

Não é julgamento. Este conteúdo, como qualquer outro produzido aqui, seve para gerar questionamento, busca por mais informações e incentivar os aquaristas a tomarem as melhores decisões e, para tanto, busco a melhor informação disponível, para gerar a maior quantidade de questionamentos de qualidade.
Assim, falaremos hoje sobre as modificações genéticas empreendidas em peixes de aquário, trazendo algumas informações e desdobramentos da questão, para construir a opinião pessoal sobre o tema.

O que são peixes geneticamente modificados?
São peixes que têm enxertados em seu DNA genes de outros seres vivos, exibindo características que não são suas naturalmente. Para os efeitos pretendidos neste podcast, acho que esta definição já basta, pois o objetivo é frisar sua funcionalidade e origem.

Como surgiram?
Não foi ao acaso. Durante a década de 60, o Paulistinha (Danio rerio) começou a ser utilizado em análises de biologia molecular e eventuais manipulações genéticas na Universidade do Oregon (EUA). Em termos práticos, além de ser o precursor dos x-fish, ele é um prodígio em termos de cobaias para pesquisa, o que significa que reúne uma série de “habilidades” para tal: reprodução extremamente fácil, centenas de ovos por postura, eclosão do ovo em cerca de 72h, pele translúcida, que permite visualizar os órgãos, e ser adaptável a diversas condições de parâmetros d’água. Já na década de 80, chegou a ser considerado o organismo ideal para estudos sobre o funcionamento dos genes humanos. Isso porque experimentos genéticos começaram a ser feitos e, dentre eles, a pigmentação de certas partes do corpos e órgãos, para fins de melhor visualização/destaque, chegando hoje a modificações que assustam alguns e maravilham outros – que é o ponto da discussão que gostaria de expandir: o salto do uso científico para um uso absolutamente recreativo.

Já sabemos que, há séculos, Tailândia, Taiwan e Indonésia são os mais destacados centros de cultivo e desenvolvimento de variedades de peixes de aquário. Naquela parte do mundo, mais especificamente em Singapura, no início do novo milênio, o dinheiro empresarial encontrou a pesquisa e aquilo que vinha sendo feito apenas em níveis laboratoriais (o realce de órgãos internos para ser visualizado por cientistas) foi expandido para o hobby de peixes ornamentais. Um veio de ouro numa mina já produtiva, algo que salta aos olhos e os fazem brilhar: peixes luminescentes!
Sim, as manipulações genéticas foram capazes de mudar o aspecto do Paulistinha (Zebrafish, em inglês). Primeiramente, genes de águas-vivas bioluminescentes (animais pertencentes ao filo Cnidaria, organismos exclusivamente aquáticos, representados pelas hidras, medusas ou águas-vivas, corais e anêmonas-do-mar), que sintetizavam naturalmente proteínas de fluorescência verde, foram enxertados nos peixes, para que seus órgãos internos, sob estudo, pudessem ser mais facilmente visualizados. Com o domínio da tecnologia, passou a ser possível produzir peixes com apenas partes de seu corpo em fluorescência e isso culminou em espécies coloridas para brilhar nos aquários.

Tal sacada surgiu de uma enorme empresa, chamada Taikong Corp (o maior produtor de peixes ornamentais de Taiwan), que passou a vender o paulistinha transgênico mundo a fora, deparando-se com algumas barreiras de países que não admitiam produtos desse tipo. Mesmo sob as barbas da lei, os peixes continuaram a ser comercializados na clandestinidade – algo que preocupa.

Porém, esta empresa não está só. Outra empresa, a Yorktown Technologies L.P., de Oregon (EUA) – mesmo Estado onde situa-se a Zebrafish International Resource Center (ZIRC), dedicada exclusivamente à produção do paulistinha e de todo aparato que pode vir assistir à pesquisa feita com ele (https://zebrafish.org/), resolveu entrar no mercado com um produto “novo”: o paulistinha transgênico!

“Ué, mas a outra não fazia isso?”
Sim, mas este é igual, só que diferente, pois ao invés de utilizar genes de águas-vivas, usam genes de corais (que também são Cnidários). O que importa realmente para nós é que dessa iniciativa surgiu a marca patenteada GloFish®, detentora dos direitos comerciais. A empresa também inovou ao lançar não só o paulistinha, mas também o tetra negro (só que não), o labeo frenatus (só que freak), o barbo sumatrano (só que ofuscante) e mais recentemente o beta (este só nas cores eletric green). Vejam que originalidade são os nomes das cores disponíveis (todas patenteadas): Starfire Red®, Cosmic Blue®, Electric Green®, Galactic Purple®, Sunburst Orange® e Moonrise Pink®. Lembrando que, se você quiser um:
• Labeo frenatus (Epalzeorhynchos frenatus) laranja fluorescente – você deve pedir um Sunburst Orange shark (porque esses peixes pra eles são chamados shark);
• Tetra negro (Gymnocorymbus ternetzi) verde e véu – você deve solicitar um Long-Fin Electric Green Tetra;
• Barbo Sumatrano (Puntigrus tetrazona) vermelho – tente por Starfire Red Barb;
• Paulistinha (Danio rerio) roxinho – o pedido é Galactic Purple Danio;
• Betta (Betta splendens) só tem verde: eletric green Betta.

Para nós, aquaristas, que se esmeram em cuidar dos seus peixes, o que importa nessa história toda é que, depois de desenvolvido em cores chamativas, o peixe é literalmente o mesmo. Comprou um paulistinha transgênico? Então você vai condicionar a água da mesma forma: tropical, com temperatura variando entre 18 e 24 ºC, água pouco movimentada e com vegetação que se aproxime da superfície. Foi um frenatus cósmico? Mantenha o pH entre 6,0 e 8,0 e tenha cuidado ao misturar ele com outros labeos, especialmente em aquários pequenos, pois são agressivos com congêneres. Preferiu os sumatranos radioativos? OK, eles continuam gostando de nadar em cardumes, são mais belicosos que outros barbos e podem habitar muitos tipos de aquário. E por aí vai, as regras são as mesmas.

Se são iguais em quase tudo, para que servem?
1) Em termos de aplicações científicas: ensinaram, e ainda ensinam muito, sobre o desenvolvimento dos órgãos (inclusive humanos), dando ao cientista a compreensão do engajamento dos genes na sua formação. Foram também criadas versões de paulistinha que indicam poluição da água, ou seja, eles mudam de cor quando há depleção da qualidade em certos aspectos (geralmente vermelho); 2) No aquarismo: reluzem (geram luminescência sob as luzes negra ou actínica).

O comércio de peixes fluorescentes
Independentemente do que eu penso, o lucrativo comércio dos peixes mutantes continua, até porque, desde que escrevi o artigo sobre, no segundo semestre de 2018, surgiu uma nova espécie elétrica: o betta.
Como vimos, além do paulistinha, precursor dos peixes de aquário luminosos, outros foram desenvolvidos e podem apostar que mais coisa vem por aí. Universidades asiáticas, como a Universidade Nacional de Singapura e a Universidade Nacional de Taiwan, seguem otimizando os resultados de suas pesquisas. A empresa americana Yorktown Technologies, L.P., criadora da marca GloFish®, de Oregon, é vizinha da ZIRC, uma instituição que mantém cepas de Danio rerio selvagens e inúmeras mutações da espécie, e tem vínculo de parceria com o Instituto de Neurociência da Universidade de Oregon. E quando se visualiza o dinheiro e a pesquisa andando de mãos dadas, o infinito é limite. Vamos esperar para ver. Quem viver verá!

O que diz a lei brasileira?
Bem, para as questões de biossegurança temos a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança CTNBio – CTNBio, vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Trata-se de uma “instância colegiada multidisciplinar, criada por meio da lei nº 11.105, de 24 de março de 2005, cuja finalidade é prestar apoio técnico consultivo e assessoramento ao Governo Federal na formulação, atualização e implementação da Política Nacional de Biossegurança relativa a Organismos Geneticamente Modificados – OGM, bem como no estabelecimento de normas técnicas de segurança e pareceres técnicos referentes à proteção da saúde humana, dos organismos vivos e do meio ambiente, para atividades que envolvam a construção, experimentação, cultivo, manipulação, transporte, comercialização, consumo, armazenamento, liberação e descarte de OGM e derivados” (http://ctnbio.mctic.gov.br/a-ctnbio). É obrigatório possuir autorização para comercializar no país e eu não encontrei nenhum ato normativo que trouxesse tal permissão (parece-me que são proibidos, mas não tenho como afirmar com 100% de certeza, pois não fui capaz de achar tal documento).

Existem estudos que procuram tentar encontrar replicação de genes no organismo, transferência de genes aliens e mesmo rastros disso quando peixes mutantes reproduzem. Há ainda muita insegurança sobre se eles podem transferir as características à frente, se elas se manteriam por tempo prolongado no ambiente etc. É difícil firmar hipóteses, e até mesmo especular sobre problemas que espécies alteradas geneticamente poderiam trazer ao ambiente, comparando com seus correlatos não alterados.
Por outro lado, invasão biológica é algo que sempre está na pauta do aquarismo responsável. Considerando as qualidades de resistência, adaptabilidade e prolificidade, o paulistinha seria um excelente candidato a invasor. Todavia, desafiando os indicativos, ele não possui antecedentes de invasão no Brasil, tampouco registros de dispersão pós-estabelecimento de uma população introduzida, ou problemas gerados pela espécie. Quanto às outras espécies, não foram encontrados dados a respeito, salvo para a mais nova das “eletricisses”: o Betta, que consta como invasor (NE brasileiro e Austrália).

Seleção Genética vs. Modificação Genética
Talvez você esteja se perguntando sobre as centenas de variedades de peixes coloridos, como as variedades de guppy (cobra, sunshine, snakeskin etc.), kingio olho-de-bolha, ramirezi-gota, molly balão e por aí vai; eles também estariam “proibidos” (caso a história do x-paulistinha fosse confirmada)?
Ok, você não está se perguntando sobre, mas se caso estivesse, a resposta seria “não”, pois trata-se de outro processo, que nada tem a ver com enxertos de genes. Nesses casos, falamos de seleção genética, obtida através de seleção reprodutiva.
Existem grupos de aquaristas sérios nesse assunto, organizados e atuantes. O processo se reflete num árduo processo de aprimoramento e desenvolvimento das características, onde os criadores as selecionam ao longo das gerações que julgam importantes (ex: cores, tamanho e forma de cauda etc.) para que sejam propagadas até que se obtenha a “linhagem pura”. Normalmente eles possuem critérios, planejamento e fazem cruzamentos pré-determinados, evitando ao máximo a proximidade (= consanguinidade), ao passo que escolhem indivíduos os mais distantes possíveis entre si, revezando, de tempos em tempos, as matrizes – certamente precisam de muitos aquários. O fato é que não se envolve adição de genes alienígenas nos animais.

Bem, este é um assunto denso, com múltiplas facetas, pintadas de muitas cores, e como deu para perceber, eu não sou a favor. Se você se pergunta porque eu sou contra, posso dar meu ponto de vista: parto de um princípio do qual tudo aquilo que tenta transformar um peixe de aquário tão somente num objeto de recreação, eu repudio. Já acho tão difícil ver que a maioria das pessoas não dá valor ao peixe, que ao vê-lo sendo pintado para ficar reluzente, sinto-me triste, uma vez que entendo que tiram dele o pouco que lhe resta: sua dignidade natural. Não sei, porém, se o cenário fosse outro, se as pessoas cuidassem de seus peixes como cuidam de outros pets, como cães e gatos, eu teria outra opinião. Sei apenas que, no mínimo, eu faria uma nova reflexão a respeito.

Deixo aqui minha forma de pensar para que novas reflexões e opiniões se formem. Agradeço demais a audiência e aquele aquabraço, desejando nosso breve reencontro. Até lá!

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