O assunto de hoje aborda peixes que vivem num ambiente que recebe influência do sal marinho, mas sem salgar demais a água. Esta seria uma boa definição informal para tentar entender o que é um ambiente salobro. Cabe lembrar que os Ciclídeos Africanos (CAs) não se encaixam neste tipo de ambiente, pois eles são peixes de água doce e a diferença se dá nos níveis e tipos de sais dissolvidos na água. Ainda vale frisar que os lagos africanos do Rift Valley não têm ou tiveram contato com o mar, enquanto os ecossistemas nesta matéria, sim. Vamos entender melhor como é isso, mas vou pedir para que mantenham em mente a palavra “salinidade”.

A princípio, eu não ousaria dizer que o aquário de água salobra seja recomendado para iniciantes, seria melhor colocá-lo como um upgrade para os que já estão no hobby há algum tempo, pois requer mais minúcias e “manhas” para lidar com certos quesitos. Por outro lado, os tempos são outros, há informação de qualidade por aí e, se você acredita que estudando consegue montar e manter um aquário assim, não seria eu quem iria contra.

Os Ambientes de Água Salobra

Para quem já conhece o assunto ou tem lido os artigos sobre o tema, sabe que água salobra não é uma coisa só e pronto, ela também tem seus encantos. Em termos gerais, quando falamos de aquários de água salobra, encontramos distintos níveis de salinidade e de fluxo de água, que poderiam enquadrar em 3 principais ambientes: rios salobros, estuários e mangues (dependendo do nível de exatidão que você queira, adianto que neste aqui estou considerando também os pântanos salgados e marismas).
Podemos visualizar que se os cenários sofrem influência marinha, significa que os parâmetros sofrem flutuações diárias (se falarmos de marés), sazonais (chuvas e correntes marinhas costeiras) e mesmo constantes se formos pensar que certos trechos de rios podem ser influenciados ad aeternum pelo mar. Fatores como evaporação, no caso de lagunas, ou turbidez não podem ser esquecidos, especialmente o primeiro, que num aquário atuará diretamente nos valores da salinidade (não se esqueça desta palavra).

Tampouco poder-se-ia dizer que peixes de água salobra são todos uma coisa só, pois seria um impropério! Sua incrível variedade de formas, cores e comportamento podem deixar no chinelo uma porção de aquários temáticos. vamos ver do que estou falando…

Rio Salobro
Não há mistério para se imaginar um rio: água corrente, vegetação que cresce às margens, fundo arenoso (para o caso de nossos aquários), rochas e troncos submersos. Para criar seu design com esses elementos, basta conhecer um pouco dos peixes que pretende colocar.

Molinésia: impossível um aquarista não conhecer uma molinésia, ou molly. As espécies Poecilia latipinna, P. sphenops ou P. velifera são algumas das mais chamativas mollies e habitam zonas costeiras, que vão do sul dos Estados Unidos até o norte da América do Sul, com predominância no México. Em comum, tais espécies têm um paladar insaciável por larvas de insetos, plantas e até vermes. Preferem ambientes densamente vegetados, com pH em torno de 7.5-8.0 e temperatura tropical (25-28 ºC). Podem chegar aos 13 ou 15 cm, dependendo da espécie.

Jordanella floridae: não é incomum, pois muitos conhecem este peixe, mas, talvez, o que a maioria não saiba é que se trata de um peixe que vive em ambientes salobros da Flórida, Estados Unidos (rios St. Johns e Ochlocknee) e que pertence à Ordem dos killifishes, mas não são anuais e sim perenes. A despeito do tamanho, ele tem cerca de 6 cm. Este peixe tem hábitos alimentares similares às mollies, assim como o layout de aquário e os mesmos parâmetros de água.

Brachygobius xanthozonus (Abelhinha): oriundo de Java, Sumatra e Bornéu, este minúsculo (chega a 4 cm) e gracioso peixe cabe em pequenos volumes, mas há que se levar em conta a territorialidade do macho, que desponta numa agressividade intraespecífica. Grupos com o mínimo de 6 indivíduos devem ser postos em aquários com vegetação e zonas para esconder-se. Como um bom “gobie” vive em contato com o fundo do aquário. Carnívoro, precisa de comida viva (Artemia e Daphnia), embora aprendam a comer comida congelada. Este é a primeira de uma lista de espécies que devem receber especial atenção na hora da comida, pois não aceitam qualquer coisa. Se comparado aos antecessores, não muda muito quanto aos parâmetros de água: pH 7.0-8.5 e temperatura 22-28 ºC.

Parambassis ranga (Peixe-vidro): supercomum, este peixe original da Ásia (Tailândia, Índia, Paquistão, Bangladesh, Nepal, Malásia e Mianmar), não possui antecedentes criminais, sendo considerando pacífico e tímido. Cresce até 8 cm e seu paladar aceita qualquer coisa, não tendo restrições quanto à comida industrializada. Não são requeridos aquários grandes para a espécie. A água deve estar com pH 7.0-8.0 e temperatura entre 20 e 30 ºC, talvez um dos menos exigentes dentre os salobros.

Dichotomyctere ocellatus (Baiacu): esta é uma espécie de baiacu que vive em águas salobras da Indochina, Malásia e Indonésia. Este peixe de 7-8 cm, que costuma ser agressivo com seus coespecíficos, gosta de aquários densamente plantados, mas que contenham razoável espaço para o nado e também baixo fluxo de água (correntes), assim como substrato arenoso e sombreamento feito por plantas. Sensível à qualidade da água, exige que haja trocas parciais regulares. Carnívoro, precisa de caramujos na dieta, vermes e Artemia congelada – há relatos de hobbystas que ministram patas de caranguejo para alimentá-los. Embora pareça um daqueles artistas ultra exigentes, os parâmetros de água são parecidos com os demais: pH 6.5-7.5 e temperatura: 22-26 ºC.

Etroplus maculatus (Mexerica): conhecidíssimo do aquarismo, é originário de lagoas e riachos da Índia e Sri Lanka que possuem contato com estuários. Cresce até uns 10 cm e gosta de nadar entre a vegetação e raízes submersas. Preda filhotes de peixes, zooplâncton e também algas. Costuma ser pacífico, mesmo sendo um ciclídeo. Se iguala aos demais nos quesitos de temperatura, porém seu pH é ligeiramente mais alto, algo em torno dos 8.0-9.0.

Estuários
Aqui é justamente o local onde o rio desemboca no mar; um ambiente de transição, suscetível a inúmeras forças. Se pegarmos como o exemplo o estuário da Laguna dos Patos, no Rio Grande do Sul, podemos ver que existem diferenças sazonais de entrada de água marinha para o interior do estuário, empurrada por correntes marinhas, ou saída da água-doce para o mar, coincidente com o período de chuvas e enfraquecimento das correntes.

Considerando os peixes mais tradicionais no aquarismo de água salobra, que vivem em estuários, a recomendação viria na forma de um aquário grande, com espaço para o nado dos peixes, bem aerado (simulando o constante fluxo de água, seja por maré, seja pelos rios ou correntes), com plantas que forram o chão e aquelas que emergem à superfície. A distribuição de plantas num estuário está vinculada a diversos fatores, dentre eles o preponderante é a salinidade. São exemplos de macrófitas que emergem: Crinum americanum, Spartina alterniflora, S. densiflora e Scirpus maritimus (junco); dentre as que forram o chão, nas águas mais rasas, está a Ruppia maritima (submersa).

O ambiente se declara mais robusto, tais como os peixes que trago aqui.
Scatophagus argus (Scat): asiático de ampla distribuição, transita entre as águas doces e marinhas do Indo-Pacífico, do Kuwait, Fiji e até do Japão. São grandes, passando dos 30 cm e, por isso, aquários de pelo menos 300 litros são requeridos. São omnívoros, mas requerem um reforço vegetal na alimentação; além de poderem predar peixes menores, a salinidade para esta espécie se aproxima dos aquários marinhos – não seria a melhor das opções para aquários salobros comunitários, a julgar pelo tamanho e por sua característica proeminentemente marinha. Como parâmetros de água, estão de bom tamanho o pH 7.5-8.5 e a temperatura 22-28 ºC.

Monodactylus argenteus (Peixe-Dedo): com as mesmas particularidades do Scat, este peixe prateado fica em torno dos 25 cm. Sua origem se sobrepõe ao amigo aí de cima, expandindo-se ainda para o Golfo Pérsico, leste africano e também Austrália.

Mangue
Fluxo mais lento de água, se comparado aos dos 2 ambientes mencionados anteriormente, com oscilações produzidas pelas marés. Inúmeras raízes de plantas criam emaranhados na coluna d’água e há considerável sombreamento por plantas. Muitos aquaristas criam ambientes onde deixam uma parte aérea exposta! “Pra quê?” Ambientes do tipo “aqua-terrários” acabam também por receber espécies de animais que não sejam peixes, como caranguejos do gênero Uca (caranguejo chama-maré). Só pesquise antes sobre a mistura pretendida para evitar conflitos terra-água.
Periophthalmus barbarus (mudskipper ou saltador-do-lodo): na verdade existem dezenas de espécies de gobie neste gênero, sendo que este é um dos mais comuns e de distribuição mais ampla (oeste africano, Índia, Tailândia, Bangladesh, Filipinas e Austrália). Chegam a 15 cm e não são muito sociáveis, ainda assim são procurados no hobby. Embora ele faça suas tocas na lama, eu não saberia recomendar isso aos aquaristas. Muitos hobbystas usam o mesmo substrato usado em aquários marinhos em layouts que contenham rochas e tocas, sem causar problemas ao peixe. Como ele é conhecido por sair da água para caminhar (resguardam água nas câmaras branquiais, que impedem o ressecamento), recomenda-se deixar zonas expostas para que ele possa vir à superfície – este é o momento que aquaristas utilizam para alimentá-los. E, por falar nisto, a alimentação é ponto crucial: alimento vivo! Come de tudo: insetos, crustáceos e pequenos peixes; aceitam Artemia e bloodworms congelados, todavia, dificilmente comerão ração industrializada. O pH está na média dos outros, 7.0-8.5, e temperatura da água (vai que você pensa que é a do ar) mais quentinha, 25-30 ºC.

Toxotes jaculatrix (Peixe-Arqueiro): este peixe, vindo do Indo-Pacífico (da costa indiana ao norte da Austrália), é conhecido por “cuspir” para fora d’água, acertando em insetos que estão dando sopa em folhas próximas à água, para comê-los em seguida. E é esse o detalhe que pesa, pois requer insetos vivos na dieta; alternativas são vistas na comida congelada (Artemia e bloodworms) e, raramente, com ração em pellets. Ficam grandinhos, com cerca de 24 cm, habitando a coluna d’água do meio para a superfície do aquário. Há quem recrie o ambiente, tendo na parte aérea plantas que pendem para perto d’água e nelas colocam os insetos, para estimular seus peixes a alvejá-los com um jato de água. Mantenha pH 7.0-8.0 e temperatura 25-28 ºC.

Anableps anableps (Quatro-Olhos): um dos nossos representantes nesta miríade de estrangeiros, ocorrendo desde a Venezuela até o delta do rio Amazonas, no Brasil. São gregários e gostam de estar entre alguma vegetação flutuante, raízes e troncos que saiam pela água. Alcançam 30 cm, o que, somado ao fato de gostarem de viver em cardumes, faz com que precisem de aquários grandes, superiores a 350 litros. Embora seu posicionamento seja na superfície, os “Quatro-Olhos” (2 olhos pra dentro d’água e 2 pra fora – possui 2 córneas, 2 pupilas e 1 retina) comem de tudo, desde algas existentes nas raízes e troncos, até carcaças de peixes e insetos vacilões. Preferem pH 7.5-9.0 e temperatura 25-30 ºC.

Plantas e… Salinidade

Acima vimos peixes de todas as partes do mundo, porém dá pra deduzir que é possível criarmos ambientes intermediários que comportem peixes de mais de um ambiente ou nacionalidade, bastando coordenar aspectos como temperatura, pH e salinidade. Bem no início, pedi para você manter a palavra em mente, pois a grande verdade é que este último fator que trago é, na verdade, o preponderante. Se for baixa demais vira água-doce, se alta, fica marinha, o que, por sua vez, inabilita a vida de inúmeros seres vivos, dentre eles as plantas.

A salinidade recomendada para aquários de água salobra, tanto para comportar mais espécies de peixes como para manter plantas, fica entre 1.005 a 1.010. Você terá que possuir a regularidade para conferir a salinidade e, para isso, necessitará de algum instrumento; este existe no mercado com vários nomes, formatos e acuidades. São eles: o hidrômetro (mais parece um termômetro de vidro, boiando na água para medir sua “gravidade”), o densímetro (um recipiente graduado onde você põe água do aquário) e o refratômetro (que parece uma luneta, onde você pinga água num lado e olha do outro, como se tentasse avistar uma ilha distante, e esses costumam ser bem precisos).

Mencionei por alto a vegetação, mas deixei para adentrar no assunto num espaço separado, pois não é qualquer planta que dá para ser colocada num aquário de água salobra. Fora as já citadas plantas de mangue/marisma, dentre o que conhecemos em nosso hobby, sites e aquaristas citam plantas como Microsorum pteropus, Anubia spp., Cryptocoryne bekketti, musgo de Java e até Vallisneria foram citadas. Alguns deles plantam-nas no começo da história, em água ainda doce, e incrementam aos poucos a salinidade.

Sal de Cozinha vs. Sal para Aquário

Por fim, e bem no foco da real importância do sucesso neste mundo salobro, é necessário ressaltar o que há de mais vital: o sal. Não é a primeira vez e, provavelmente, não será a última em que se alerta para evitar o sal de cozinha. “Mas o sal de cozinha aumenta a salinidade?” Sim. “Então posso usar sem medo, né!” Não. A fábrica do sal de cozinha não está preocupada com o uso de seu produto para um aquário, ao contrário da indústria das grandes marcas, que fabricam insumos próprios para serem colocados no seu aqua. Lembro que os ambientes salobros estão em contato com a água marinha e o sal marinho é muito mais complexo que o NaCl iodado vendido para temperar a comida. Este é um daqueles exemplos que não vale acreditar no seu vizinho, mas sim em produtos já testados e reconhecidos na aquariofilia.

Procure o sal específico para o ambiente salobro, cuja bula já traz a dosagem correta do que aplicar, dependendo da espécie-foco escolhida para o seu aquário. O interessante é que o sal correto, além de não influenciar o pH (parâmetro que você pode controlar por outros meios, considerando os peixes escolhidos para morar no aquário), evita-se o ataque às raízes ou folhas das plantas que já penam para se adaptar ao ambiente salino estressante. Tal produto, ao contrário, fornece nutrientes que auxiliam as plantas no desenvolvimento. Quem o fez já o produziu pensando no melhor para um aquário. Em resumo, esta é uma daquelas dicas que lembram que “o barato pode sair caro”.

Ainda assim, atente para as plantas de aquário, pois não é qualquer concentração que elas suportam, mesmo desses sais próprios e conceituados. Há uma medida recomendada em fóruns que fala de uma quantidade de aproximadamente 6,67 g/litro do composto para os peixes do tipo Scat, que falamos, sendo que isso praticamente inabilita plantas de aquário. Para termos ideia, as Mollys receberiam na água algo em torno de 0,5 g/litro, os Arqueiros, 1,25 g/litro, a Abelhinha e Peixe-Vidro, 3,33 g/litro. Quantidades medianas podem atender a aquários comunitários de peixes de águas salobras.

De qualquer forma, pesquise sobre as espécies e veja o que a bula do produto recomenda. Prefira introduzir o sal “na montagem do aquário” ou “nas trocas parciais de água – TPAs”, evitando repor o sal quando a perda de água se der apenas por evaporação. Ah, não coloque direto no aquário, dilua em recipiente com água antes de introduzir no aqua.

E aqui ficamos. Espero que tenham gostado deste assunto mais “temperado” e que ele possa ter aberto seus olhos para mais um tipo de tema no aquarismo! Obrigado pela audiência. Nos vemos no próximo Sarlocast!

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