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Não me canso das maravilhas disso que nossa incapacidade poética consegue chamar apenas de “vida”…há surpresas e mistérios por toda parte! Dentro da infinidade de recursos que a natureza possui “instalados” nos seres que a constituem, chegamos àqueles que são verdadeiras usinas elétricas. Sim, peixes que produzem descargas elétricas para as tarefas do dia a dia.
“Então, se eu comprar peixes desse tipo, nunca mais poderei colocar a mão no aquário?” No nosso caso aqui, que falamos apenas de peixes de aquário, esse medo não procede, pois não estaremos considerando adotar poraquês (Electrophorus electricus), que podem dar um choque de 500 volts, mas sim de peixes cuja descarga fica na minúscula casa dos milivolts. Descargas tão fracas que somente podem ser detectadas por sensores especiais, colocados na água.
Pensando em peixes comuns no hobby do aquarismo, foram selecionados dois peixes, parentes distantes das lâmpadas convencionais que têm o que falar: o Ituí-Cavalo (Apteronotus albifrons), que representa os “peixes-faca” aqui das Américas, e o “Peixe-Elefante ou Nariz de Elefante” (Gnathoemus petersii), mandatário dos “peixes-elefante” africanos.
PRA QUE SERVE A ELETRICIDADE NUM PEIXE?
Num mundo onde economizar energia elétrica é lei, você deve estar pensando porque peixes ficam gastando ela à toa. Não, você não está pensando neste impropério, fui eu quem falou… Melhorzinho seria colocar algo assim: “se animais dispõem de visão para se orientar e localizar sua presa, olfato e paladar para ter informações químicas sobre o ambiente, a comida etc., pra que certos animais resolveram, literalmente, gastar energia?” Pensa comigo. Se você morasse dentro d’água e não desse pra ver um centímetro à frente, de que lhe serviria a visão? Se você fosse um predador noturno, sem o espelho refletor (tapetum lucidum) e a quantidade de bastonetes dos felinos, como você teria informações confiáveis sobre sua presa? Desistiria e morreria de fome? Pois é, a natureza não é assim e sempre surpreende no desenvolvimento de tecnologias. Saiba que certos peixes utilizam a eletricidade para ver tudo a sua volta.
É bem provável que essa tática advenha de estratégias ancestrais, todavia, o que importa, é que ela está presente em animais modernos e que, numa série de vertebrados, parte de um órgão sensorial. É perfeitamente entendível que para um sistema sensorial ter efetividade ele precisa captar e traduzir impecavelmente a informação, substituindo a visão, o olfato, o paladar e a audição. O que acontece com nossos convidados de hoje é que eles emanam um campo elétrico fraco ao redor do corpo, o qual é capaz de “ver” aquilo que eles precisam ou querem, além de ser um meio de se comunicar com os demais membros da comunidade.
Como funciona? Qualquer coisa que passe pelo campo elétrico, causa micropertubações, que interferem no fluxo do campo e, então, são sentidas por órgãos eletroreceptores, existentes por toda pele do peixe (veremos especificidades dentro de cada uma das espécies). Estes, por sua vez, são de dois tipos básicos: 1) tuberosos (forma de tubérculo), que são responsáveis por gerar e detectar ondas de alta frequência gerada pelo próprio peixe e 2) ampuláceos (forma de ampola), capazes de captar a baixa frequência de fontes externas. Os tuberosos, por também gerarem energia, são chamados eletroreceptores “ativos”, enquanto os ampuláceos são denominados “passivos”.
Como curiosidade, como no caso do Poraquê, mencionado antes, a descarga elétrica tem mais funções e pode ser usada para atordoar a presa ou para se defender, neste caso, descarregando centenas de volts. São estes que vemos naqueles vídeos da internet, do pessoal tomando choques atordoantes. Deve doer!
Convém lembrar que esses peixes (os elétricos) possuem a linha lateral, que é um órgão tátil – feito de células epiteliais modificadas – capaz de detectar movimento e vibrações na água; a diferença é que este não é elétrico, mas sim mecânico. O que agrega, com mais uma ferramenta, no sistema de recursos de sobrevivência dos indivíduos.
Vamos agora falar um pouquinho dos peixes, para ver algumas das diferenças entre eles…quem sabe você opta por ter um deles no seu aquário, algum dia…
Ituí-Cavalo (Apteronotus albifrons)
Quando conheci o Ituí-cavalo, lembro-me bem, era um ícone de mistério pra mim. O corpo quase todo negro-aveludado, com apenas o nariz e dois anéis no pedúnculo caudal brancos. Chamava também a atenção o fato de ser um peixe sem um monte de nadadeiras, mas extremamente ágil e gracioso no nado.
Você estranhou o fato de um peixe não ter nadadeiras? Então, os “peixes-faca”, inclusos na Ordem Gymnotiformes, costumam ter apenas três: 2 peitorais e 1 anal; eles não têm nadadeiras pélvicas, dorsal e quando têm a caudal é extremamente reduzida. A etimologia do nome, vinda do grego, tanto do gênero quanto da família, chamada Apteronotidae, já diz isso, pois “apteros” significa sem asas/nadadeiras e “noton” é dorso/costas, ou seja, “dorso sem nadadeiras”…o que serve para todos os membros da família. Em compensação, o peixe-faca possui uma longa nadadeira anal, cujos movimentos ondulatórios permitem a ele nadar pra frente e pra trás, pro lado e pra cima…mostrando que ele tem todas as nadadeiras das quais precisa.
O Ituí-cavalo é um caçador noturno, que preda sobre pequenos crustáceos e larvas de inseto. Nesse peixe, realmente os eletroreceptores estão por todo corpo e suas emanações fazem com que tenha um campo elétrico completo ao seu redor. Quando falamos do Ituí-Cavalo, e dos membros de sua família, ainda contamos com um órgão elétrico chamado “filamento dorsal”. Este nada mais é do que uma estrutura que reúne uma quantidade maior daqueles eletroreceptores do tipo “tuberoso”, na parte dorso-posterior do peixe, que o ajuda a identificar suas presas. Dali são feitas as descargas, que formam o campo e permitem a ele saber onde está sua vítima.
Como eu havia dito, tal campo elétrico também serve para as interações sociais. São encontradas na literatura menções que falam que eles preferem manter-se distantes uns dos outros, para que não haja sobreposição e interferência entre seus campos elétricos, a não ser quando queiram contatar seus congêneres. Além disso, fala-se de frequências mais altas emanadas por fêmeas…sim, reconhecimento do sexo por choque…que chocante! Também são especuladas as questões de dominância, onde é perceptível a variância das ondas e pulsos do subdominante em relação ao chefão (macho-alfa).
Quanto aos parâmetros de água, o Ituí-cavalo, por ser um peixe oriundo das bacias do rio Paraná e também do Amazonas, englobando diversos países da América do Sul, prefere o pH variando entre 6.0 e 8.0 e a temperatura de 23°C a 28°C. Ocorre em rios e riachos com fluxo constante de água e de fundo arenoso…e para o desânimo de muitos: não é um peixe pequeno, podendo alcançar 50cm.
Para um aquário, portanto, as recomendações são para que ele seja mantido sozinho ao invés de pares ou grupos – a não ser que estejamos falando de um big aquário – evitando que haja sobreposição de campos elétricos e problemas na eletrolocalização ou de disputa por território. Devido às características noturnas e comportamento predador, não são recomendados peixes diminutos como parceiros, pois se cabem na boca serão comidos enquanto “dormem”; os companheiros precisam ter tamanho e serem pacíficos, evitando o bullying. O layout aconselhável inclui areia, troncos e muitas folhas para promover sombra, pois como são tímidos durante o dia, precisa ter um abrigo diurno.
“PEIXE-ELEFANTE” (Gnathoemus petersii)
Esse eu nunca tive, mas já quis ter. Com o corpo super diferente, cuja cabeça possui aquela protuberância que se assemelha a uma tromba de elefante, encontramos mais um peixe elétrico, neste caso, vindo da África. Seu nome (Gnathoemus), etimologicamente falando, significa, a grosso modo: mandíbula/boca longa. Sua distribuição é ampla por aquele continente, sendo que encontrei os seguintes países como locais de ocorrência: Camarões, Congo e República Democrática do Congo, Mali, Níger, Nigéria, Chade, Benim, República Centro-Africana e Zâmbia. Ou seja, uma parcela considerável dos países de uma faixa meridional da África, rumo à costa nor-noroeste; achei estranho por não terem sido citados países menores da região abarcada, como Costa do Marfim, Burkina Faso, Gana e Togo – talvez uma questão geográfica que não percebi…talvez tenham esquecido…talvez não tenham dados…talvez eu devesse (novamente) me ater ao texto.
Mesmo sendo um peixe-elétrico, o Peixe-Elefante pertence a outra Ordem, Osteoglossiformes, e consequentemente a outra família, Mormyridae. Entendível a divisão, já que a morfologia dos peixes é bem diferente; estes aqui já possuem nadadeira caudal bem definida e bifurcada, têm nadadeiras pélvicas e dorsal. São menores que o Ituí-Cavalo, mas ainda assim se tornam peixes grandes: 35cm.
É relatada maior agressividade entre exemplares da mesma espécie, se comparado ao Ituí-Cavalo…um hábito que parece ser comum entre os elétricos. É verdade também, para esta espécie, a questão da variação de frequência para determinação do sexo do indivíduo. E por falar em choques, os eletroreceptores do Gnathoemus petersii estão alocados, ou melhor, concentrados na cabeça; boa parte deles também está na parte dorsal e ventral, porém, ausentes nos flancos laterais e pedúnculo caudal – mesmo estando aqui o órgão elétrico. Esta característica está associada com a forma com a qual busca o alimento: rastreando a comida como se fosse um detector de metais. A concentração de receptores na cabeça ajuda a detectar seu prato predileto, que fica escondido sob o solo: vermes.
Como advém de regiões sombreadas por abundante vegetação da margem, águas mais escuras e de fluxo lento, onde o substrato é lamoso, é bom atentar para que o fundo do aquário seja, necessariamente, de algum substrato mole, para que ele possa chafurdar sua “tromba” ali, atrás do alimento. Seus hábitos também são noturnos, horário em que prefere procurar a comida.
Da mesma forma que o peixe que o antecedeu, o aquário do “trombudo” aqui precisará de um aquecedor, pois o Nariz de Elefante requer água tropical, entre 22 e 28ºC, e que o pH gire em torno de 6.0 e 8.0 – igual ao encontrado no ambiente do Ituí-Cavalo.
De forma geral, para caracterizar o aquário para qualquer uma das duas espécies elétricas que falamos, são recomendadas plantas que requeiram ou aceitem iluminação reduzida, dentre elas as Anubias e o Musgo de Java, além da Vallisneria, que pode ser utilizada neste tipo de ambiente, desde que a iluminação incidente seja moderada (se for baixa a planta sofre). Troncos, pedras e substrato de areia fina são bem-vindos. A filtragem pode ser realizada por filtros internos ou externos, de fluxo baixo ou moderado. E o que muitos devem estar se perguntando – sobre a alimentação – é reportado mundo a fora que estes peixes pegam comida industrial, embora, prefiram a viva ou in natura (como vermes e larvas descongelados)…só lembre de ministrar a comida à noite.
Infelizmente, nenhum deles é recomendado para iniciantes, seja pelo tamanho do aquário exigido, seja por fatores como as exigências de layout e cuidado diário (iluminação reduzida, alimentação noturna etc.). Por outro lado, não são considerados peixes difíceis de se manter em aquário…além de serem magníficas espécies…
Bem, já me estendi demais pra um podcast…mas vocês me conhecem e sabe que falo pelos cotovelos. Agradeço a audiência e eu os aguardo no próximo Sarlocast! Inté mais!
Com Bravo de Bravura, e não de Braveza, Johnny Bravo (João Luís), escreve para revistas especializadas e para o blog da Sarlo há um cadim de tempo. Nessa jornada Julioverniana, após 20 Mil Léguas de textos, agora ele também desenvolve os roteiros para os vídeos de chamada do Sarlocast, onde você pode ouvir a sensual voz desse aquaman (tradução: homem de aquários).