Podcast: Play in new window | Download
Assine nosso podcast! RSS
Alguns peixes de aquário merecem destaque, seja por sua beleza ímpar, seja por serem bem difundidos no hobby, seja por possuírem hábitos intrigantes que nos fazem parar para aprender mais sobre eles…no nosso caso aqui, o Betta tem de tudo um pouco…ou muito de tudo…bem, não importa esse jogo de palavras e sim o que ele tem a nos mostrar…bora conferir?
Origens, Credenciais e Significados
Todos nós o conhecemos ou pelo menos achamos que o conhecemos. Pelo nome alguns podem suspeitar que o nome “Beta” (segunda letra do alfabeto grego) adviria de algum projeto mutante que não deu certo, tipo versão beta do cruzamento da espécie, mas não é nem de perto isso. Esse Beta é mais alfa que muito peixe por aí.
Betta splendens é seu nome científico e tudo aponta que deriva de uma mistura de latim e javanês. A palavra Betta parece vir do Javanês. Pelo que li, localmente, na cidade de Ambarawa, ele é chamado de Ikan Wadder Bettah (achamos a palavra Beta!) – acho que vale dizer que a designação “Ikan Wadder” é dada a pequenos peixes de água doce, mesmo ciprinídeos (= parentes do paulistinha), e isso me deu a impressão de significar “lambari” rsrsrs. Na prática seria “Peixe Betta”. Porém, contudo, todavia, eu sou daqueles que põe o nome no Google tradutor pra ver o que sai e tento variantes, pois não acredito em tudo que leio…assim, ao tirar as letras duplicadas (1 d e 1 t) vi que, em javanês, ikan wader betah significa “Os peixes pernaltas estão à vontade”…não sei o que pensar, mas eu ri demais na hora.
Já a segunda parte do nome científico (o epíteto específico), vem do latim e não tem pegadinha, significando brilhante. Interessante ter esse nome, pois as variedades selvagens têm não mais que algumas manchas coloridas, sendo predominantes as cores escuras e castanhas para mesclar com o ambiente. Faz sentido, porém, pensar que o peixe foi classificando por Regan, em 1910, o que nos diz que o peixe já era ornamentalmente comercializado, com seleções de coloração e talvez daí advenha o splendens.
O que não me faz sentido, entretanto, é que pensando que “a propaganda é a alma do negócio”, humildemente acredito eu que “lambari brilhante” não seria a melhor forma de vender um peixe.
Enquanto eu devaneio, você pode estar pensando: por que o chamam de “peixe de briga”? Pois então, muitos o conhecem por esse nome, tanto que em inglês seu nome é “Siamese fighting fish”, nada mais que literalmente “peixe-de-luta Siamês”. O bom é que o nome, embora tenha ficado ainda maior, explica duas coisas sobre o Betta: sua origem natural e uma peculiaridade de comportamento. Como podemos antever, termo “siamês” não está relacionado com a raça de gatos ou por nascer grudado em outro indivíduo, mas sim àquilo que tem origem do Sião, antigo nome da Tailândia, tudo a ver com sua distribuição geográfica, que é na bacia do rio Mekong, região que engloba os países Laos, Camboja, Vietnã e, principalmente, Tailândia. Na região de origem, o tipo de habitat são águas doces rasas e calmas de fundos lamosos, zonas de água parada, incluindo os arrozais, que são áreas inundadas pelo homem; também é possível encontrá-los em rio de médio e grande portes.
Beleza, agora só faltou desvendar o porquê de “peixe de briga”! É dito que há quase 200 anos, a molecada da região ia nos arrozais coletar os peixes que lá se instalavam e colocá-los em recintos menores para vê-los brigar. Os betas, são peixes extremamente territoriais, sendo que quando em espaços reduzidos a agressividade fica ainda mais exacerbada. Tal atividade ganhou espaço no mundo das apostas, sendo até mesmo instituído como uma atividade passível de ser taxada pelo governo de tanto que expandiu. No final do século XIX, o peixe ganhou o ocidente e levou consigo sua fama dos “ringues”.
Para os mais interessados na classificação formal da espécie, hoje o Beta está classificado dentro da família Osphronemidae (antigamente era Anabantidae) – a mesma família que reúne os tricogasters, as colisas e os peixes-do-paraíso. Dessa galerinha que citei, ainda podemos organizá-los em duas subfamílias, com o beta e o peixe-do-paraíso na Macropodusinae e as colisas e tricogasters na Trichogastrinae.
São menores na natureza (entre 2,5 e 3 cm) do que nos nossos aquários (3 a 5 cm), assim como também são menos coloridos, variando nas tonalidades acastanhadas e verdes. Não são de espantar tais características, pois em aquários eles têm mais facilidade em encontrar comida, menos estresse e as seleções feitas por quem os reproduz nos conferem estes peixes magníficos (o mesmo que vemos, por exemplo, nos discos e guppies); claro que isso tudo vale para as formas, tamanhos e cores das nadadeiras que são as que realmente definem o Beta. Também há diferença entre a sobrevida na natureza, que é de 3 a 5 anos, e em aquários (bem cuidados, claro), que pode se estender até os 8 ou 9 anos.
A luta pelo labirinto da vida!
Creio que seja justo dizer que a primeira grande luta de um Beta é sobreviver ao seu próprio ambiente natural e ele se utiliza de um labirinto para se sair bem. Não ele não vive em labirintos de moitas de arroz submersas, “labirinto” é o nome para o órgão que o faz sobreviver aos ambientes quentes da sua região, de águas lentas ou paradas, que têm níveis baixíssimos de oxigênio dissolvido. A evolução, mestra de todos nós, deu essa arma fenomenal ao maestral guerreiro.
Trata-se de uma característica dos anabantídeos (aqui no caso me refiro à Ordem Anabantiformes), que dispõem de um órgão permite que o peixe tire oxigênio diretamente do ar atmosférico, puxando-o com a boca para uma câmara repleta de finíssimas lamelas, membranas dobradas, com alta vascularização, onde o ar fica retido. As dobras dessas membranas permitem aumentar consideravelmente a superfície de contato e sua espessura facilita a troca direta de gases. Essa adaptação é a diferença entre viver e morrer naqueles ambientes.
E ainda tem mais detalhe legal nisso! Certamente você já ouviu dizer que o Beta faz um ninho de bolhas que fica na superfície da água. Tal ninho é possível porque o peixe possui um órgão faringiano, cuja localização tange o canal por onde passa o ar inalado e cada bolha é envolvida por muco, o qual é responsável por fazer as bolhas permanecerem na superfície e não simplesmente estourarem. Lindo não é mesmo!?
Esse momento de nidificação reflete outro processo de batalha…um que precisamos falar bem falado. A luta física entre betas (e outros animais beligerantes) não está associada a disputas por desporto. Especialmente os machos possuem um comportamento aguerrido, direcionado a outros machos da espécie, para fins de defesa de um local apropriado para levar a frente seus genes: um processo mais conhecido como reprodução. É quando também faz seu melhor para mostrar suas cores e imensas nadadeiras para chamar a atenção de todos, dizendo que ali já tem dono e convencer alguma Betinha que por ali passe e o ache interessante.
Para indicar sua excitação, seja para a briga, seja para o acasalamento, vemos o Beta realizar um singular display (se você tem um só, basta colocar um espelho na frente dele e verá o que estou falando): abertura das nadadeiras com movimento ondulares e projeção do opérculo para a frente, expondo as brânquias. É fascinante se observar!
Agora, quem pensaria que um franco lutador feito ele seria o responsável por cuidar dos ovos e filhotes, num contingente de espécies de peixe onde a minoria exerce tal cuidado? Pois é, ele o faz e faz bem.
Tudo começa quando ele consegue atrair uma fêmea e já tem construído seu ninho. Ele a envolve num abraço, indicando que é hora de soltar os ovos, ação feita de um em um. O macho os fertiliza, coleta com a boca e coloca cuidadosamente no ninho de bolhas. Quando a fêmea tiver acabado ela se afastará.
É importante saber que num aquário – diferente da natureza – a fêmea não tem como ir para muito longe, sendo assim, precisamos ter alguns cuidados caso você queira reproduzir o peixe: 1) aquário raso e largo para que possa manusear e ter algum controle, e facilitar a busca dos ovos pelo macho; 2) turbulência na água (como filtros ou bombas) prejudica esse processo; 3) identificar se a fêmea está pronta para a cópula: observar o volume corpóreo, que na região abdominal fica estufado, sendo que o ovopositor (o tubo por onde passarão os ovos) fica evidente – melhor ainda é colocar perto do ninho um recipiente transparente para que o macho veja a fêmea e quando ambos estiverem mostrando interesse soltamos a fêmea; 4) momentos depois do fim da cópula, tendo se certificado do fim do processo, é hora de retirá-la (plantas podem ter a importante função de resguardar a fêmea).
O cuidado do pai termina quando os filhotes já conseguem nadar livremente, alguns dias depois da eclosão dos ovos – agora é a hora de retirar o papai (mesmo que isso se dê no segundo domingo de agosto). É dito que para os alevinos convém colocar pedra porosa para melhorar a oxigenação, pois o labirinto não está ainda desenvolvido. Para aumentar a efetividade da sobrevivência, evitando o contato da prole com excesso de organismos microscópicos, o filtro UV pode ser usado.
E ainda assim você xinga ele…
Agressivo, Briguento…São adjetivos que circundam a imagem do Beta, mas como disse antes, esta história precisa ser bem contada. Existe sim a rivalidade entre os machos, porém, é importante anotar aí que existem coisas que atuam na agressividade. A presença de um macho na vizinhança é dedução óbvia pra gente, mas estresses diversos também podem desencadear ondas mais violentas, dentre elas o tamanho da casa do peixe.
As rinhas não preciso nem tentar argumentar o quão desprezíveis são, para qualquer animal inclusive, pois são atividades criminosas, gerando sofrimento aos envolvidos. Todavia, para o tamanho dos aquários sei que há discussão e ponderações, por isso vamos expandir o tema. Da minha parte, não trago a condenação da questão do tamanho de um aqua, mas procuro trazer uma reflexão, porque sou opositor da ideia de que esses peixes ficam bem em cubículos de meio litro. Apenas racionalmente, deixando de lado qualquer paixão ou ideologia, imaginemos os primórdios da atividade de rinha entre os peixes: crianças os pegavam e os colocavam em ambiente menores. Qualquer ambiente fechado gera estresse em quem está confinado – é assim com os animais no zoológico, é assim nossos aquários. Ambientes pequenos são ainda mais opressores. Imagine agora peixes territoriais que se veem frente a frente com um competidor, sem ter para onde correr (embora escolham pequenos territórios, os ambientes naturais que vivem são amplos, repletos de vegetação). Imediatamente o foco de seu estresse se torna o outro congênere. Até fêmeas de Beta podem ficar agressivas em aquários pequenos.
E por outro lado, pensando em aquários grandes, cheios de companheiros variados, muitos aquaristas são levados a pensar que a fama de lutador do Beta o faz ser agressivo com todas as espécies de peixes e que ele será o vilão do aquário. Para criar um cenário mais palpável, imagine que você é um peixe e vê uma enorme, colorida e bem vistosa cauda tremulando a sua frente, irresistível! Por que não pegar um pedaço para ver “dequalé”? Muitos dos peixes farão isso. As nadadeiras do Beta seriam o paralelo de comparação dos cabelos de Sansão, uma vez que os danos em suas nadadeiras podem ser porta aberta para infestações de parasitas e doenças associadas. Em casos assim, o estresse causado pelo assédio dos colegas de aquário, ao invés de gerar violência, pode se refletir na queda da imunidade do Beta, adoecimento (três delas se apresentam mais frequentes: 1) Ichthyophthirius multifiliis, ictio ou doença dos pontos brancos; 2) Oodinum pillularis, um parasita dinoflagelado que provoca efeitos assemelham-se ao ictio, embora o corpo do peixe adquira um aspecto aveludado; 3) apodrecimento das nadadeiras, correlacionada à águas de péssimas condições) e possível morte
Pensando nesses dois cenários aquarísticos, eu diria não tanto aos cubículos, quanto aos aquários imensos e comunitários. Não há informação científica que afirme o tamanho mínimo para um recipiente em que o Beta fique dentro, o que posso dizer é que tê-lo num pote de azeitonas não é recomendável. Uma coisa é você vê-lo num cubículo numa loja, outra é você tê-lo em sua casa para cuidar daquele ser anos a fio. Nossa missão como aquarista é sempre prover o melhor para os peixes que cuidamos.
Parte-se de um princípio simples: quanto menos água num aquário maior a manutenção a ser dada a esse recipiente. Você sofre, o peixe sofre…qual a lógica? Isso não é aquarismo. Assim, considerando os fóruns mundo afora, poderia retirar uma recomendação: 10 litros como mínimo.
Dicas importantes de manutenção
- Pelo fato de advir de lugares quentes, a temperatura é importante: entre 23 e 28 °C.
- O acúmulo de sujeira é prejudicial a qualquer ambiente, você pode optar pelo sifonamento frequente ou colocar algum filtro adequado ao tamanho do aquário.
- O Betta tem uma dieta ampla, que vai desde as rações próprias para espécie até alimento vivo como larvas de mosquito, daphnia, artemia e mesmo caramujos.
Ufa! Muita coisa para um peixinho que parecia tão ordinário, não? A vida nos surpreende, assim como o aquarismo responsável! Agradecemos uma vez mais a sua presença, nos falamos em breve! Inté!
Com Bravo de Bravura, e não de Braveza, Johnny Bravo (João Luís), escreve para revistas especializadas e para o blog da Sarlo há um cadim de tempo. Nessa jornada Julioverniana, após 20 Mil Léguas de textos, agora ele também desenvolve os roteiros para os vídeos de chamada do Sarlocast, onde você pode ouvir a sensual voz desse aquaman (tradução: homem de aquários).