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Seu vizinho, mestre do aquarismo aí da rua, que já leu três parágrafos de artigos aquarísticos em toda sua vida, lhe diz: “Eu tenho peixes limpadores no meu aquário, para que eles comam toda a sujeira dos outros peixes e deixe meu aquário limpinho…nem de filtro precisa!”
Baita ensinamento! Muito bom isso né? Só que não. Os dizeres desse sábio, para não deturpar a realidade, deveria acabar na palavra “comam”…concorda? Se você ainda não captou, digo que não é difícil de entender o porquê da afirmação dele estar errada: um peixe limpador, não deixa de ser um peixe, ou seja, como sabemos, qualquer peixe ingere comida, processa-a e depois excreta. Algumas pessoas, porém, acham que “peixes limpadores” são dispositivos mágicos que fazem tudo aquilo que ingerem sumir.
Sabendo disso, as primeiras falácias que caem, ao se entender o que são peixes limpadores, é que os filtros, as trocas parciais de água e a sifonagem do fundo continuam essenciais para limpeza do aquário, não podendo ser substituídos por peixes.
“Por que são chamados ‘limpadores’ e para que servem então?” – questionou a voz da consciência. Na minha modesta opinião, eles continuam desempenhando funções de limpeza, porém, não da forma como posto acima. Por exemplo, quando ministramos a ração, é muito comum vermos dezenas de pedaços, flocos, bits ou pellets (depende da ração usada) não serem apanhados pelos peixes e se acomodarem pelo aquário. Pois bem, quando o aquário possui enfeites, rochas, troncos, plantas e mesmo cascalho de tamanho não uniforme, essas características atuam de forma a dificultar o trabalho dos filtros – é a hora que deveríamos vir com sifão e puxar tudo que ficou acumulado, evitando a decomposição. Se possuímos peixes limpadores, ao invés do sifão para este fim, teremos o apoio de uma equipe voluntária que logo estará chegando aos locais mais inacessíveis para pegar a preciosa comida que lá está escondida. Seu valor está em retirar essas sobras, que poderiam vir a fungar ou fermentar, diminuindo a qualidade da água, transformando-as em compostos menos agressivos (de imediato) ou até úteis para outros organismos, como é o caso do fosfato para algumas plantas.
Não é pra ficar todo animadinho não, achando que terá menos trabalho na limpeza, pois os compostos excretados por qualquer peixe precisarão ser retirados mais cedo ou mais tarde, mesmo o fosfato citado (é bom recordar que nem todas as plantas retiram nutrientes diluídos na água, muitas delas concentram esta tarefa nas raízes que estão plantadas no substrato). O fosfato solto na água pode desencadear blooms de algas, tanto na água (água verde) quanto sobre qualquer superfície (pedras, vidro, troncos, folhas e enfeites).
“Mas aí eu ponho peixes que limpam algas!” – disse o gênio. Regra nº1: + peixes = + excretas. Sim, existem peixes “especializados” em raspar algas, mas eles não solucionam situações de desequilíbrio no aquário. Se o ambiente possuir números adequados de peixes (cálculo que incluirá os limpadores), é bem possível que eles lhe ajudem a remover algas indesejadas.
Layouts vs. Limpeza
Obviamente não vou dizer como você deve montar o cenário do seu aquário, pois isso deve partir do gosto pessoal, somando algumas pinceladas de lógica e informação, que é a parte onde tento falar algo. A ideia aqui é colocar na mente que o jeito que você organiza e decora o aquário também influi no quesito limpeza, especialmente no que diz respeito a facilidade ou dificuldade de limpá-lo. Claro, imagine você atulhando o aquário com todos os enfeites que você encontrar, mais rochas, mais plantas…o troço vira um sumidouro de sujeira e…haja tempo para você ir lá limpar!
Para pensar no que pode ser melhor, uma análise básica sobre o tipo de boca de um peixe já pode nos dar informações preciosas sobre como podemos pensar num aquário para recebê-los. “Como assim?” – perguntou a pessoa que está lendo o artigo, vendo TV e ouvindo música ao mesmo tempo. Sim isso mesmo que você ouviu! Se um peixe tem uma boca tipo “ventosa”, ou seja, se gruda no vidro, pedra etc., é importante ter superfícies grandes para ele poder se “fixar”, tais como vasos de cerâmica, rochas, troncos ou raízes – por ficarem colados nesses objetos, aumente o cuidado para que não contenham bordas cortantes. Se o peixe costuma “fuçar” o fundo, o substrato não deve ser feito de pedra grossa…para falar a verdade, recomendado mesmo são substratos de tamanho uniforme e geralmente pequenos, tendendo para o tamanho “areia”. Imagine que é mais fácil para peixes como kuhlis e coridoras, que têm “bigodinhos” táteis, inserir a boca em solos mais macios para procurar comida. São detalhes fáceis de gravar.
Mas isso não se resume em tudo que se deve saber sobre um peixe, certo? Ler e conhecer mais sobre ele é o segredo do sucesso. A partir do momento que você conhece as espécies adquiridas, é possível coordenar detalhes importantes como pH e temperatura, pois precisamos manter sempre em mente que são peixes e não aspiradores de pó.
Além disso, munido de informações, é possível inovar e incrementar nesse lance de layout…eu já falei para alguns amigos que tenho vontade de recriar um ambiente de corredeira, montando um aquário apenas de cascudos. Nunca transformei a ideia num projeto, mas penso que eu criaria uma subida de rochas num dos cantos do aquário com troncos entremeando as rochas, e uma forte corrente promovida por bombas submersas de alta vazão, indo de encontro às pedras. Precisaria dar uma estudada para ver quais cascudos habitam esse tipo de ambiente, ver se compartilham o mesmo tipo de alimento etc. Um dia ainda faço isso!
Espécies de peixes limpadores
Se você não sabe ou não se lembra quais são os peixes que podemos chamar de limpadores, bora ver uns aí…até porque não adianta ficar falando deles sem ver a cara, não é mesmo? Para você pensar naqueles que irá adquirir, é bom considerar fatores como beleza, funcionalidade, tamanho e parâmetros de água. Sabendo disso, você adequa o layout do aquário para deixá-los de boa.
Bem, são várias famílias que englobam essa categoria de peixes, como a dos cascudos (Loricariidae) e a das Corydoras (Callichthyidae), ambas ocorrendo nas Américas Central e do Sul; mas tem também os asiáticos da família Cobitidae, como a linda Botia-palhaço (Chromobotia macracanthus), o dojô (Misgurnus anguillicaudatus) e a cobrinha kuhli (Pangio kuhlii), entre outros.
Cascudos
Ao ouvir esse nome, se você ainda acha que são aqueles peixes feios, casquentos e escuros, você merece um “cascudo” para acordar. Também conhecidos como plecos no exterior (devido ao nome científico de um dos gêneros: Plecostomus…hoje em desuso devido à divisão taxonômica ocorrida), os cascudos variam muito no hábito alimentar, comportamento social, tamanho, forma, cores…para escolher um, eu recomendaria observar a agressividade, hábito alimentar e ver se o tamanho é compatível com o aquário. Prepare-se para conhecer algumas espécies que são de deixar o queixo caído.
Cascudo-Zebra (Hypancistrus zebra)
O top dos tops dos cascudos. Gracioso, de pequeno porte (7cm), pacífico e tímido (até demais), deve ser colocado em aquários com espécies que saibam conviver e que sejam menos atiçadas ou competitivas. É um micropredador, não se interessando muito por plantas e algas. Seu ambiente inclui fundo de areia, com rochas e troncos que promovam cavidades para que ele se esconda (é onde também deposita os ovos – o macho é quem cuida dos ovos!); a água deve ser bem oxigenada (o que se consegue com boa movimentação), com temperatura entre 26°-28ºC e pH entre 6,0-7,5. Infelizmente é ameaçado de extinção, tanto pela captura desordenada, quanto pela ameaça de destruição do habitat (rio Xingu, no Brasil) com a construção de hidrelétricas. Comecei por este aqui porque existe essa ressalva da ameaça, algo que deve vir a nossa mente antes da aquisição (comece perguntando ao vendedor sobre a procedência).
Cascudo-Tigre (Peckoltia vittata)
É bom lembrar que existe mais de uma espécie de cascudo sob o nome “tigre”. Este aqui, como é um peixe da bacia Amazônica, significa que a água na qual é encontrado tende a ser mais quente, em torno dos 25ºC; já o pH pode variar de 5,0 a 7,5. Ele tem hábitos “vegetarianos”, podendo atacar algumas plantas de folhas mais tenras (muitos hobbystas oferecem rodelas de pepino para ver se ele esquece das plantas, porém, nem sempre funciona). A espécie, que tem hábitos noturnos (o que demanda esconderijos durante o dia), costuma ser sociável, exceto com peixes da mesma espécie (nesse caso, aconselha-se a ter um aqua maior, onde cada cascudo possa ter sua caverna). Aqui também é o macho que geralmente cuida dos ovos.
Cascudo Panaque (Panaque nigrolineatus)
Este cascudo é maravilhoso, mas fica imenso: 43cm. Também pertencente à bacia Amazônica, aceita um pH entre 6,5 e 7,5 e temperatura ao redor dos 25°C. O comportamento e as preferências alimentares são parecidas com a do Tigre, citado anteriormente.
Limpa-vidros (Otocinclus hoppei)
Não é chamado de cascudo, mas como pertence à família Loricariidae resolvi deixá-lo aqui. O gênero Otocinclus engloba os mais úteis comedores de algas, utilizados, inclusive, em aquários plantados. Este pequeno amazônico (3cm), é muito pacífico e sociável, sendo um ótimo parceiro para o Cascudo-Zebra, até mesmo porque os parâmetros da água se assemelham: temperatura entre 26°-28ºC e pH entre 6,0-7,5.
Eu ainda citaria, para você pesquisar, algumas loricárias, que são peixes que me ganharam pelo formato de seus corpos e pela docilidade: Farlowella acus e Rineloricaria eigenmanni.
Corydoras
Desconheço alguém que não goste delas. Como aspectos gerais, as Corydoras gostam de substrato que lhes permitam fuçar atrás de comida, assim, fica a sugestão de usar areia. Costumam ser gregárias, o que indica que devem ser adquiras em grupos. Como exemplos, cito duas (poderia citar dezenas, mas não tem espaço), ambas amazônicas:
Coridora-Leopardo (Corydoras julii)
Uma das mais conhecidas dentre todas as Corydoras, talvez pelo seu histórico de peixe resistente (em condições ruins de oxigênio, esse peixe corre na superfície e engole ar, que será absolvido pelo organismo). É um micropredador que está sempre pesquisando o fundo atrás de pequenos crustáceos, vermes e larvas de insetos. O pH deve estar entre 6,0 e 8,0 e a temperatura em torno dos 26°C; alcança 5cm.
Coridora-Panda (Corydoras panda)
Adora um habitat com raízes e folhas cobrindo o substrato (para este caso, precisariam ser trocadas constantemente para não apodrecerem no aquário), por ondem possam nadar e se esconder. A água é similar ao estilo que vimos antes: pH entre 6,0 e 8,0 e temperatura por volta dos 25°C; elas alcançam cerca de 4cm.
Botia e Synodontis
Botia-Palhaço (Chromobotia macracanthus)
Trata-se da mais conhecida dentre as botias, porém, um dos “males” desta espécie é o tamanho que atinge: 20 cm em média. Não é raro encontrá-la em aquários de Ciclídeos Africanos, pois o range de pH que vivem varia entre 5,0 e 8,0, assim como dureza em torno dos 20. Não é que eu desaconselhe o peixe para CAs, mas sou dos “biótopos” e sei que existem peixes mais adequados para ocupar este nicho. Essas botias são de Sumatra e Bornéu, sendo que seu habitat natural possui água cor de chá, colorida pela vegetação ao redor; são típicas de um ambiente cujas variações “seca-cheia” são acentuadas, nem sempre permanecendo em água alcalina e dura (pelo contrário). Em termos de temperatura, ficam numa variação entre 25 e 30°C, o que indica a necessidade de aquecedor no aquário.
Synodontis petricola
Possivelmente, o mais pacífico dos synos…e não só isso, é também um dos menores (uns 12cm). Ele é mais do que indicado para aquários de CAs do Tanganyika, pois literalmente divide o habitat natural com tais peixes…ele é endêmico daquele lago. Isso implica dizer que precisam de pH alto (entre 8,0 e 9,0). Mas não se engane com este rostinho bonito! Atrás da pacificidade deste peixe encontra-se um comportamento rotulado como “parasitismo reprodutivo”.
Tal como o pássaro chamado Cuco, que põe seus ovos no ninho de outro pássaro para que os pais adotivos se virem para cuidar do filhote, o S. petricola ajusta sua reprodução com a de ciclídeos que fazem incubação bucal. No frenesi reprodutivo do casal de CAs o syno mistura seus ovos com os de ciclídeo, os quais são capturados pela zelosa mamãe CA. Os ovos do syno eclodem antes dos de CAs e os alevinos invasores passam a devorar seus “irmãos de boca”.
Cobrinha Kuhli (Pangio kuhlii)
Uma das minhas paixões. Imagine uma corydora que alguém pegou e esticou para ficar cumprida, então, é a kuhli…mas é só na minha cabeça que é assim, pois elas pertencem a outra Ordem e outra família (Cobitidae). São peixes de água neutra para ácida (6,0 a 7,0 como ideal), preferem águas com temperatura entre 24 e 30ºC e não crescem muito, ficando pelos 10 cm. Têm o hábito de se enterrar no substrato, por isso duas dicas: use areia de substrato e tenha estratégias para plantar – por causa desse hábito, não seriam recomendadas para aquários plantados ou que possuam plantas com raízes muitos superficiais; mas faça-se justiça, não são tão ogras como os dojôs, até mesmo por causa do pequeno porte.
O universo dos peixes limpadores é muito mais amplo, basta ver nas lojas a quantidade de espécies diferentes…aqui deixo apenas o gostinho para pesquisar e ampliar o mundo do aquarismo, mostrando como é belo e complexo.
Como moral da história, lembre-se que a esmagadora maioria dos peixes limpadores não é detritívora, ou seja, necessita de comida para sobreviver. No mercado existe alimento específico para peixes de fundo, assim, se você tiver uma certa quantidade deles no aquário, não hesite, procure tal comida…e seja feliz!
E assim chegamos ao fim de mais um podcast. Agradeço demais sua audiência, esperando ter trazido algo de valor sobre esses peixes. Encontro você no próximo! Até lá!
Com Bravo de Bravura, e não de Braveza, Johnny Bravo (João Luís), escreve para revistas especializadas e para o blog da Sarlo há um cadim de tempo. Nessa jornada Julioverniana, após 20 Mil Léguas de textos, agora ele também desenvolve os roteiros para os vídeos de chamada do Sarlocast, onde você pode ouvir a sensual voz desse aquaman (tradução: homem de aquários).