Taí um tema que me surpreendeu ao buscar as fontes para fazê-lo. Confesso que mais aprendi do que qualquer outra coisa.
Selecionei para este podcast os principais e mais comentados alimentos vivos, obviamente, sem intentar esgotar o assunto…pra variar, é apenas para ampliar a vastidão do hobby e criar o gostinho de “quero mais”.
Vamos ver o que temos pra hoje? Bora lá…

Náuplios de Artêmia
Começo pelo mais famoso dos alimentos vivos dados aos peixes de aquário. Este organismo é um crustáceo, mas não um camarão, que vive em ambiente onde pouquíssimas criaturas conseguem viver: lagos salgados, onde supera nosso entendimento em praticamente tudo que chamamos de problemas de extremos de pH, salinidade, oxigênio dissolvido ou temperatura, sobrevivendo, inclusive, à desidratação. Sim, isto porque ao ser estressada a tais limites, sua reprodução passa a se dar sob a produção de cistos, ou seja, formas de vida encapsuladas e preparadas para durar incontáveis anos num estado de latência (diapausa), até que as condições favoráveis reapareçam. E é aí que nós, aquaristas, entramos.
Os cistos de artêmia que compramos no mercado são justamente essas formas “invulneráveis”. Agora, quem já desencapsulou até duvida que sejam tão resistentes assim, uma vez que a obtenção de náuplios de artêmia é um dos processos mais fáceis de ser realizado dentro do mundo do cultivo de alimentos vivos.

Compra-se o produto “cistos de artêmia”, de preferência de marcas conhecidas, uma vez que elas já carregam consigo know-how e estatísticas, ou seja, os cistos industrializados bons têm uma taxa de eclosão acima de 80%…imagina você comprar um pote de cistos que por causa do acondicionamento ou do processo de preparo não eclode significativamente? Frustração desnecessária, que ninguém precisa passar por ela.

Pra eclodir e obter os desejados náuplios, você precisará de:
– planejamento: os “ovos” eclodem entre 24 e 48h, dependendo da temperatura, e devem ser ministrados nas horas seguintes da eclosão, pois os náuplios alimentam-se das próprias reservas energéticas, ou seja, a quantidade de proteínas diminui com o passar do tempo; isso indica que se você tem filhotes recém-nascidos já deveria ter começado 24h antes o processo de desencapsulamento.
– recipiente apropriado para a quantidade de cistos a serem eclodidos (aproximadamente 1 grama de cisto para 2 litros água), água marinha ou água doce com sal grosso (20g/l), aerador e pedra porosa (com mangueira que chegue no fundo do recipiente)
– iluminação e aeração constantes;
– temperatura adequada: entre 24° e 28°C (em temperaturas baixas o tempo para eclosão é maior);

A eclosão é nítida. Em meio aos pontos acinzentados (cápsulas) haverá pontos vermelhos. Neste momento o aerador é desligado, esperando que os náuplios se dirijam ao fundo. As cascas flutuantes são retiradas e eliminadas. Devido ao fato que alimentaremos alevinos muito jovens e sensíveis, é impróprio jogar a água salgada da artêmia no aquário dos peixes, pois mudanças na água podem ocasionar mortalidade dos filhotes. Para tanto, com um sifão ou com dispositivo próprio já instalado no recipiente de eclosão, os náuplios são sugados e passados numa tela fina (peneira ou rede de malha ultrafina). Caso você tenha errado na mão e muitos náuplios tenham sobrado, pode congelar.
Observação: o risco de transmissão de doenças (inserção de patógenos) a partir de cistos advindos de boas marcas é nulo ou muito baixo, o que não equivale para o uso de artêmias adultas (elas atingem essa etapa já aos 20 dias após a eclosão, em cultivo apropriado).

Microvermes (Panagrellus redivivus)
O chamado “microverme” é um minúsculo verme Nematoide, de cerca de 2,5 milímetros, de cor bem clara e esbranquiçada. Devido ao diminuto tamanho, é uma das melhores opções para alevinos muito novos, tal como os já mencionados náuplios de artêmia.

O jeito mais comum de se adquirir um start de cultura é com outro aquarista e, às vezes, em lojas especializadas. Use um pote pequeno e raso (potes plásticos, de isopor ou de vidro variados etc.) com tampa. Não é necessário substrato, mas tudo deve estar constantemente úmido, o que é conseguido com um simples borrifador de água. No pote é colocado farinha de aveia ou aveia em flocos, a qual também deve ser molhada ao ponto de ter aspecto de uma pasta e forrar todo fundo da cultura (uns 2cm de altura). Esta será a comida dos vermezinhos – alguns aquaristas utilizam polivitamínicos na pasta, para que os nematoides comam e, depois, transfiram aos peixes. O ideal é manter a cultura em local escuro, com temperatura entre 23° e 26° C e se tudo der certo, em 2 dias os vermes já estarão passeando, quando poderão ser retirados. Abra a tampa regularmente, para renovar o ar.

Para apanhá-los, usa-se alguma espátula ou pincel macio, que é passada onde está aglomerado (subindo as paredes do recipiente, na tampa, ou ainda devorando a aveia). A coleta é feita sobre uma porção deles, já que 1 indivíduo é bem difícil de se ver a olho nu. Para evitar jogar os resíduos da cultura no aquário, o mais recomendável é despejar o conteúdo da espátula ou pincel num copo com água e, depois colocar parte da água no aquário, reduzindo ou evitando a entrada da pasta de aveia no berçário. Reavivando a observação de outrora: como é usado para filhotes, e não adultos, lembre-se que eles são bem mais sensíveis às alterações da qualidade da água. Outra coisa, como eles caem no fundo, é melhor que tal aquário não contenha substrato, para facilitar a limpeza.

Dica: a cultura deve ser produtiva por umas duas semanas (o cheiro de fermentação denuncia o declínio), o que deve ser considerado. Pra evitar desabastecimento de comida para filhotes, inicie uma nova cultura a cada semana.

Larvas de Mosca da Banana (Drosophila)
Lembra-se da cultura de microvermes? Então, só pra aproveitar o tópico anterior, lembre-se que depois de velha a cultura dos vermes não precisa ser jogada fora. Se você deixa o recipiente aberto, e mantiver a umidade com o borrifador de água, as moscas irão ao local depositar seus ovos. As larvinhas nascidas dali servem para peixes maiores e mesmo adultos, possuindo alto teor nutritivo.

Blood Worms, Tubifex e Dafnia (Cladóceros)
Juntei os três bichinhos no título porque construí o conteúdo abaixo com base numa entrevista que fiz com um cara pra lá de gente boa: Rafael Viana, à época era empresário do ramo de alimentos vivos para nossos amiguinhos escamosos, dono da Hydrazoo. Quando fiz a consulta em 2016 a empresa estava ativa, alocada em Registro -SP, hoje não aparece nas redes ou internet, dava para seguir no Instagram @hydrazoo. De qualquer forma, fizemos um bate-papo no Whats cujo conteúdo ainda é bem aproveitável para nós (pena que a entrevista não foi ao ar por motivos operacionais mesmo).
Tal empresa tinha o principal objetivo de atender a demanda de varejo (e produtores e distribuidoras de pequeno porte) de alimento vivo da cadeia do aquarismo. Estavam focados inicialmente nas regiões sul e sudeste. De forma geral, a empresa obtinha as “matrizes” (tecnicamente chamadas de inóculos) na própria região, onde eram isoladas, identificadas em laboratório (para melhorar o controle do cultivo e facilitar a busca de material técnico na literatura científica) e só então inseridas nos sistemas de cultivo para a “engorda”. Para todos havia a opção de “vivo”, “congelados” (preferido pela maioria dos consumidores) e “autoclavados” (que tem um prazo de validade estendido).

Bloodworm
O mais procurado devido a carência no mercado nacional, pois quanto aos outros alimentos, vários aquaristas ou mantêm pequenos cultivos ou capturam na natureza, reduzindo a procura vinda de criadores profissionais.
A Hydrazoo cultivava em tanques de fibra de vidro dentro de estufa, onde era necessário um pé direto de no mínimo 2m para que o mosquito (Chironomus plumosus) consiguisse realizar o voo nupcial. A parte aquática possuía sistema de recirculação utilizando bombas submersas, contando com filtro biológico de areia fluidizada – visto que as larvas ficam em contato com as paredes e o fundo das caixas, as bombas são usadas para circular a água e levar a comida até elas: ração de peixes com baixa proteína. Nesse sistema, os ovos eram inoculados nos tanques, crescendo em ambiente controlado por 10 dias, tempo suficiente para que as larvas chegassem ao tamanho de 12 a 20 mm. Daí vinha um “pulo do gato”, pois eles faziam a retrolavagem dos filtros e limpeza dos taques, colhendo os bloodworms limpos e livres de patógenos. É um tipo de cultivo onde 1 dia de atraso pode fazer com que os organismos avancem para o estágio de pupa e comecem a fazer a metamorfose.

Tubifex (Tubifex sp.)
Os Tubifex desenvolvem-se melhor em águas de baixa velocidade e pequena coluna d’água, por isso requerem outro sistema de cultivo, diferente de bloodworms. São cultivados em calhas de plástico muito parecidas com telhas, sem substrato adicional algum, sendo fornecida alimentação diária: ração e vegetais. O problema do uso de substrato adicional se reflete na dificuldade para a limpeza antes do uso como alimento vivo; todavia, é de se considerar que o próprio alimento fornecido acaba agindo como um substrato. No entanto, o cultivo do tubifex é bem mais demorado que o de bloodworms, pois para se fazer uma coleta, algumas vezes, são necessários de 2 a 3 meses. O tempo de cultivo normalmente é tido como empecilho

Dafnias (Daphnia similis e Daphnia magna)
Os cladóceros, basicamente daphnias, são cultivados em tanques de geomembrana em sistema de água parada, com aeração branda e iluminação natural. Inicialmente, prepara-se a água para o cultivo, criando grande quantidade de algas e bactérias – basicamente com o uso de adubação química com adubo NPK. Quando a água atinge a turbidez necessária para o cultivo (água verde) é feita a introdução dos cladóceros, cuja população passa a ser monitorada diariamente. Uma vez atingida a densidade de coleta, é feita a filtragem da água do tanque e coleta dos organismos.

É muito comum a discussão aquarística que tange os riscos desse tipo de alimentação, especialmente no que concerne à contaminação. Nos casos da Hydrazoo, me foi dito que era difícil especificar a questão de patógenos que poderiam assolar, visto que varia muito com ambiente onde o organismo foi cultivado ou coletado – por isso enviavam periodicamente amostras dos produtos para laboratório de análises clínicas para checar e evitar qualquer problema. Ainda assim, os principais patógenos encontrados englobavam conhecidos parasitas de peixes, críticos nos sistemas de cultivos, como por exemplo, Myxobolus e bactérias dos tipos Pseudomonas Aeromonas, Flavobacterium Moraxella e Sphingomonas.

E se você se pergunta se é melhor substituir completamente ração industrial por alimento vivo, aquela empresa, assim como eu, recomendaria o seguinte: é recomendável sim, sem dúvida, porém, com certa parcimônia. Para se atingir o máximo crescimento do animal é importante balancear tal tipo de alimentação com uma boa ração industrial. Quanto a forma de administrar os alimentos, é recomendável fazer como se faz com as rações: fornecer pequenas quantidades ao longo do dia; até porque esses alimentos, se não forem consumidos rapidamente, podem deteriorar a água do aquário, causando prejuízos para o aquarista.

Em termos de alimento vivo, ele deve ser de tamanho compatível com a boca e fase de vida do animal. A título de curiosidade, existem vários trabalhos científicos que demonstram que durante a fase inicial de vida dos peixes não ocorre a produção de enzimas digestivas no trato digestório do peixe. Nesse caso, a única fonte de enzimas são as advindas do próprio alimento vivo, por isso é imprescindível, durante a fase larval, alimentos vivos para os peixinhos. Depois desse período inicial, os organismos vivos como alimento podem ser usados para: 1) o condicionamento alimentar, 2) ativar o comportamento de caça do animal e consequentemente realçar sua coloração, 3) servir como veículo de medicamento quando o peixe está doente, 4) ser fonte de pigmentos para melhorar a coloração, enfim os benefícios são muitos quando a alimentação é conduzida de forma adequada.

Este final de hoje é meio que só de agradecimentos…a você, claro, que me ouve e os maiores colaboradores: Rafael Viana, e os amigos Rafael Cervo, Marcos Okamoto e Miguel Leon que ajudaram a dar vida a esse conteúdo…a vida é feita de amigos e no aquarismo é um ótimo lugar para se encontrar alguns dos bons!
Obrigado pela audiência e até o próximo!

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