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Saudações, nobres colegas de hobby! Sou Johnny Bravo, ou João Luís, a ordem não importa tanto. Para quem não me conhece ainda, sou aquarista desde quando os elfos começaram a habitar a Terra e autor de artigos no tema do aquarismo, tanto em fóruns de internet como de revistas especializadas.
Hoje começo com uma reflexão inicial: você já se sentiu um “peixe fora d’água”? Tipo quando sua ideia é tão diferente da dos outros que você parece um alien. Ou quando seus gostos, hábitos, roupas e tudo mais são diferentes e você parece que está sozinho. Quem sabe melhorando a analogia fique mais entendível: “um peixe fora do cardume”. E o oposto? Quem já não foi adolescente e se sentiu invencível no meio da “galera”? Mais alegre, competente e parte de algo maior?
Relaxa, não estamos falando de nenhuma síndrome maluca não, nem estamos numa sessão de terapia (embora um aquário bem montado seja uma terapia completa). Hoje estamos aqui para falar justamente do cardume. Pra que serve? Por que se forma? Espero que consigamos aqui explicar algo sobre mais essa maravilha da natureza.
O cardume
O termo “cardume” é de conhecimento amplo e não traz mistérios para o entendimento, só curiosidades. Cardume é o substantivo coletivo para designar um agrupamento de peixes, da mesma forma que temos o termo “revoada” para pássaros ou “enxoval” para roupas, por isso ninguém fala “alcateia” de peixes, nem “colmeia” de lobos, pois há uma denominação específica.
O cardume, normalmente, faz referência a uma agregação de peixes da mesma espécie que nada em conjunto, sendo que, talvez, o fato mais interessante seja que eles nadem como se fossem um único indivíduo. Sim, isso mesmo. Eles têm tanta sincronia, coesão e técnica que a massa de peixes se move parecendo um grande peixe. O legal do cardume, comparado com outros coletivos de animais, como mamíferos, é que não há um líder, trata-se de uma orquestra sem maestro.
O nado sincrônico é repleto de sinais que variam com a velocidade, proximidade dos indivíduos e também com a incidência de luz sobre as escamas, a qual produz distintos reflexos que se traduzem como comunicação. A ação dos peixes se dá de forma muito rápida, passando de indivíduo para indivíduo numa velocidade tão grande que dá essa impressão que todos estão com fones de ouvido seguindo algum comando. Entretanto não são os ouvidos que eles usam, os órgãos sensoriais que guiam os peixes nessa complexa interação são, principalmente, os olhos e a linha lateral, capaz de captar as mais tênues nuances de vibração ao seu redor.
Tal reunião pode se dar tanto permanentemente como apenas para um determinado fim, dependendo da espécie que falamos. Neste caso, basta pensar que reunir-se em cardume é útil para questões de defesa contra predadores, encontros amorosos, migração e até mesmo para a obtenção de alimento. Nem vou tentar aqui ampliar os conceitos, falando das “escolas vs. cardumes”, pois o importante neste podcast é entender que peixes de cardume precisam ter consigo companheiros da mesma espécie para interagir, potencializando as características intraespecíficas.
Os cardumes podem ter dezenas, centenas ou mesmo milhares de indivíduos, os quais costumam ter o mesmo tamanho, idade e coloração. Quanto a estes últimos detalhes, é interessante observar que, se houver um peixe grande ou pequeno demais, ou colorido de outra tonalidade ou cor, ele se destacará e perderá a proteção que a homogeneidade garante, ou seja, não é à toa que eles se reúnem entre os indivíduos mais parecidos entre si, e tem uma lógica natural nisso aí. “Shoal!”
Considerando todos os tipos (propósitos e definições) de cardume, cerca de 1/4 dos peixes existentes se organizam em cardumes. Um comportamento que envolve desde peixes minúsculos (tetras de água-doce) como os grandes tubarões-martelo, por exemplo. É uma adaptação evolutiva, uma vez que traz muitas vantagens para a espécie, ocorrendo mais comumente em peixes que ocupam a coluna d’água (ou seja, nem demersais, nem de fundo) – outra tendência que não é à toa, visto que a aglomeração de indivíduos favorece a fecundação de ovos que são lançados à água (prática comum dos peixes que vivem “flutuando” e que têm fecundação externa).
Uma outra forma de entender um cardume, para firmar a ideia de que se trata de uma “adaptação evolutiva que traz vantagens”, além de se dizer que “funciona como um único indivíduo”, é vê-lo como um indivíduo com múltiplos olhos. O “grande peixe” é capaz de encontrar presas ou predadores, e reagir ao estímulo, em áreas e direções maiores do que se dispusesse de apenas um par de olhos.
Bem, acho que já deu pra ter uma ideia sobre o significado de um cardume e sua importância para os membros. “Para aquário, onde estão os exemplos práticos desse blá-blá-blá todo?” Bora ver…
Espécies de Peixes de Aquário que Nadam em Cardume
Quando falamos de peixes de aquário, estou certo de que muitos de vocês já imaginaram diversas espécies que nadam juntinho. Quem nunca viu neons? Rodostomus? Barbo tetrazona? Discus? Todos estes, e muitos outros, gostam de nadar com parcerias, seja em algum período da vida, seja forever. Vamos, rapidamente, ver alguns:
• Neon Cardinal (Paracheirodon axelrodi)
Dá gosto de ver um cardume volumoso deste peixinho amazônico de água ácida, saudável e ambientado, iluminando e colorindo o aquário. É um dos peixes mais procurados devido a essas impressionantes cores. Seu diminuto tamanho (3,5 cm) e docilidade permitem a combinação com diversas espécies, incluindo outros peixes de cardume. Não devem ser postos com peixes predadores, para que não virem comida – mesmo num cardume eles teriam baixas, visto que num aquário não há para onde ir e, mais cedo ou mais tarde, eles perderiam na disputa.
• Rodostomus (Hemigrammus rhodostomus)
Outra ótima e bela escolha amazônica para aquários que queiram ter um peixe de cardume. São ligeiramente maiores que os neons (5 cm), mas também muito dóceis. São vistos nadarem ativamente e sempre juntos. Para as duas espécies citadas até aqui, não recomendaria menos de 6 peixes para manter o “efeito cardume” (se der compre mais). São peixes excelentes para compartilhar o ambiente com pequenos caracídeos, apistos e corydoras.
• Saulosi (Pseudotropheus saulosi)
Este é um dócil ciclídeo africano do Lago Malawi, um mbuna (CA das rochas), cujos jovens e fêmeas são amarelos, enquanto os machos são azuis com barras verticais escuras. Trata-se de um mbuna com hábitos gregários, onde é comum ver fêmeas alimentarem-se juntas, em grupos de 50 ou mais indivíduos, próximas aos rochedos. Escolher esta espécie para comentar foi devido a um curioso fato que ocorre, ligado justamente a esses grupamentos de “fêmeas”. “Por que “fêmeas” está entre aspas?” Nesses cardumes existem também machos vestindo a coloração amarela das fêmeas. Eles são machos submissos que não tiveram ainda a chance de vestir a cor azul e assumir uma posição de dominância, todavia, nada os impede de tentar copular com as fêmeas que por ali estejam – uma sacada e tanto desses machos para tentar passar seus genes à frente!
• Daffodil (Neolamprologus pulcher)
Este é um peixe maravilhoso oriundo do Lago Tanganyika, na África, que se reúne em grupos com vários propósitos. Com um comportamento social que eu arriscaria dizer que é o oposto do dócil saulosi, o Daffodil tem interessantes (e cruéis) formas de ação quando nada em cardumes. Uma delas é sua organização hierárquica para defesa do território, na qual até mesmo pequenos jovens ganham posições; cada um dos membros ajuda na vigília e, caso necessite, terá inúmeros amigos prontos para ajudar a afastar o invasor. Para comer, por vezes, eles se juntam para avançar sobre peixes que mantêm a guarda de suas crias, não importando o tamanho. A agressão em cardume confunde os guardiães, que ficam sem saber qual dos agressores atacar; enquanto pensam, os membros da gangue fazem a festa, predando os filhotes e ovos.
• Cardumes em Aquário
Dimensionamento é a palavra que irá promover um espetáculo ao invés de um desastre. Estou sendo dramático? Pior que não. Fica fácil deduzirmos que quanto mais indivíduos, maiores serão as quantidades de: excretas, excesso de comida, nutrientes e menor será a qualidade da água. “Mas eu montei um biótopo!” Sim, ok, mas você não montou o Amazonas! Não é porque o peixe vive às centenas na natureza que faremos o mesmo em nosso aquário de 100 litros. Lembro que as regrinhas não mudam por estes peixes serem de cardume, ou seja, ainda convém usar fórmulas caseiras do tipo “cm de peixe adulto por litro de água (volume útil)” e não “peixe por gota de água”. Preservar a qualidade da água é tudo!
“Mas eu tenho um aquário, tipo biótopo Amazônico, e quero ter mais de uma espécie de peixes em cardumes. Quero neons, rodóstomus e discus! O que faço para manter um aquário assim, no limite?”
Vamos bombar, no sentido literal da palavra. Mais bombas e mais filtros, evitando um único recurso (mesmo que seja ultrapotente e ultraconfiável). Explico, se ousamos superdimensionar nos peixes, seria interessante fazer a superdosagem também nos equipamentos de manutenção do aquário. “Olha o Johnny querendo aumentar as vendas!” Nem, o que eu pretendo é associar o número de equipamentos às chances de suprir o risco de falha/parada de um filtro externo, por exemplo. Por melhor que seja o produto, pode acontecer dele pifar, queimar, parar, ser abduzido sei lá. Quando se tem mais de um dividindo a tarefa, há mais segurança, pois dificilmente o problema ocorrerá em todos ao mesmo tempo, salvo algum agente externo (como apagões que nos deixam horas sem energia elétrica).
O medo reside no fato de cardumes englobarem muitos indivíduos, sendo que cada um deles consome oxigênio. Se você montou um aquário superdimensionado em peixes e que conta com apenas um aparelho para fazer a água circular, seja um filtro interno, seja apenas uma bomba submersa, e de um segundo para o outro você não tem esse equipamento mais funcionado, a tragédia está a caminho. Especialmente em aquários com peixes de metabolismo acelerado, como grandes ciclídeos, a falha do aparelho pode refletir numa tragédia global se não dispusermos de um gerador. Pior ainda seria se a água estivesse quente e superpopulada. Lembra-se que em temperaturas mais elevadas há menos oxigênio dissolvido, o que dá menos tempo para agir.
A dica é seguir algum critério que não pese demais na qualidade da água, ou, simplesmente, inserir um número moderado de peixes de acordo com a capacidade do aquário para trabalhar os metabólitos lançados na água e manter os níveis de oxigênio compatíveis com as necessidades dos peixes. Mas sem desespero! Lembro que para auxiliá-lo nas tarefas de melhorar/manter a qualidade da água, o mercado dispõe de mídias filtrantes que são uma mão na roda quando o assunto é limpar a água.
Dentre elas, destacam-se o carvão ativado – que quando é de boa marca vem com níveis reduzidos de fosfato (estamos falando em reduzir nutrientes, então, por que trazer mais pra dentro do aquário?) – e absorventes sintéticos capazes de retirar da água compostos nitrogenados, como nitratos, nitritos e amônia.
Tais mídias não liberam você para entupir o aquário com peixes, mas certamente o ajudam a gerenciar a qualidade da água. Busque entender a capacidade do seu sistema que você irá produzir maravilhas nele!
Mantenha sempre em mente: cardume = muitos peixes = compostos nitrogenados. Dá pra ter sim cardumes em aquário, mas se você for exagerar, por favor, cerque-se de prevenções contra desastres.
E assim chegamos ao fim de mais um podcast, no qual espero ter trazido algum entretenimento ou informação que existe nesse nosso infinito mundo do aquarismo.
Cardumes são tão eficientes que meu costumeiro trocadilho infame nem foi percebido, pois ele ficou mesclado no “cardume” de palavras. Enquanto você volta para procurá-lo, despeço-me aqui, agradecendo por mais essa audiência. Nos vemos no próximo Sarlocast. Até lá!
Com Bravo de Bravura, e não de Braveza, Johnny Bravo (João Luís), escreve para revistas especializadas e para o blog da Sarlo há um cadim de tempo. Nessa jornada Julioverniana, após 20 Mil Léguas de textos, agora ele também desenvolve os roteiros para os vídeos de chamada do Sarlocast, onde você pode ouvir a sensual voz desse aquaman (tradução: homem de aquários).