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Pra gente começar é melhor explicar quem são esses ciclídeos, já que o universo da família Cichlidae não é pequeno e há grande confusão quando alguém monta um aqua de CAs. Também iremos reduzir nosso alcance dentro dos CAs para onde estão os peixes mais conhecidos, visto que não cabe aqui tudo que há para ser dito, ficando apenas com lagos Malawi e Tangayika.
Não há exagero nenhum em dizer que a família é grande, pois o número de espécies está entre 1.300 (número aproximado das conhecidas) a 1.900 (estimativa dos pesquisadores), fazendo-a a família mais rica de espécies entre os peixes de água doce (sendo umas 900 para a África, 300 para as Américas e outras poucas ainda habitam lugares isolados como Madagascar, Índia, Sri Lanka e Irã). Trata-se de uma família que merece muita atenção, tamanha é sua beleza e significância, sendo que a seleção que buscamos fazer aqui é apenas para tratar de um desses subgrupos e chamar atenção para as espécies de mais fácil acesso e de conhecimento mais difundido: os peixes dos lagos Malawi (cerca de 400 espécies endêmicas) e Tangayika (em torno de 200 endêmicas).
Diferenças entre os Ciclídeos
Acho que dá pra perceber que numa família que engloba os acarás-bandeiras, discos, apistogramas, tucunarés e tilápias, dentre tantos outros, seria muito fácil incidir em erros na montagem de um aqua de CAs, desde leves até grotescos. A necessidade dessa divisão se dá porque esta família de peixes vive em praticamente todos os continentes e isso, claro, significa parâmetros de água absolutamente distintos – sem contar os comportamentos, dietas etc. E por falar em erros, quantos de nós já não se deparou com um “aquário de CAs” suspeito, hum? Você olha o aquário e o vê repleto de rochas de coral e halimeda, povoado com Pseudotropheus demasoni POMBO, Zebrinha (Tilapia buttikoferi), Kribensis Pelvicachromis pulcher e Jack Dempsey (Rocio octofasciata). O que tem de errado nisso, você saberia dizer? Questão 1: é um aquário de ciclídeos? Sim. 2) Africanos? Não. 3) se o aquário é de água doce, por que as rochas de coral?
A “Mistureba Danada – MD” (aquela sem critérios) é um problema. Digamos que o aqua tenha sido montado ao redor do P. demasoni POMBO – cuja origem é do Malawi. Para um olho mais atencioso, o Jack Dempsey despontará logo como um alien, pois sua origem é da América Central/Norte; embora seja um ciclídeo, ele advém de um local muito distinto, com hábitos e condições não condizentes com o lago Malawi (ou outros lagos africanos do rift). Tirando o Jack temos um aquário de ciclídeos africanos? Sim. Pronto então? Não. Por que? 1) a “zebrinha” provém de rios costeiros próximos Guiné Bissau; e 2) o Kribensis provém do oeste, perto da Nigéria e Camarões. Se você montou o seu aqua pensando no lago Malawi, tendo o POMBO como principal, saiba que este é herbívoro, enquanto os outros estão entre a omnivoria e canivoria.
Percebe que alguém nesse contexto, necessariamente, estará em desvantagem? Neste pequeno exemplo já pudemos destacar incompatibilidades que envolvem origem, tamanho, dieta e parâmetros de água. Imagina isso multiplicado pelas 900 espécies africanas de ciclídeos? Ou as 1.300 conhecidas de Ciclídeos? E quando alguém devido fazer uma MD as chances de algo desandar aumentam. É bom guardar consigo que a escolha do termo “aquário de espécies determinadas” não está associada somente ao quesito agressividade ou tamanho; são considerados todos os fatores limitantes que permitem algumas espécies conviver e outras não.
“Ah, mas eu quero um Kribensis no meu aquário e quero chamá-lo de aqua de CAs!” Vá em frente, mas pesquise para saber o que misturar, ele se daria bem com outros peixes de rio, cujos parâmetros fossem similares, como o Buffalo Red (Steatocranus casuarius) ou o Joia (Hemichromis bimaculatus). Eles têm tamanhos, temperamentos e ambientes aproximados, mesmo vivendo em regiões geográficas africanas distintas. É um aquário de CAs? Sim, de rio, mas de CAs. Está ok? Claro que sim!
Peculiaridades das águas e cuidados com o aquário
O ambiente dos lagos Malawi e Tangayika é singular. Ambos foram formados em fendas originadas pela separação de placas continentais e preenchidos com água e elementos químicos da região. Tudo lá é diferente: ciclídeos endêmicos e parâmetros de água que deixariam alguns boquiabertos. Enquanto nos preocupamos com pH entre 6,5-7 e água mole para boa parte dos aquários, no caso dos aquas de CAs desses lagos, falamos é de pH entre 8-9, GH e KH acima de 10.
Muitos justificam o uso de rochas de coral e halimeda nesses aquários para atender tais parâmetros. Realmente esses materiais atuam no pH, KH e GH do aquário, mas por um tempo curto demais para valer a pena. A melhor solução para atingir os parâmetros requeridos é o uso de condicionadores para aumentar o GH ou KH – sais próprios para aquários de Ciclídeos Africanos, nas medidas indicadas nas bulas.
Para ambientar o aquário, deixando-o mais temático, o uso de rochas calcárias é mais que recomendado. Especialmente se você escolher peixes que coabitem em rochas, você necessitará de um verdadeiro paredão, para proporcionar esconderijos – por terem o hábito de escavar o substrato, não esqueça de firmar as rochas no fundo do aquário, não em contato direto com o vidro, mas sobre uma folha de isopor ou aquela placa de filtro biológico que você não usa mais. Independentemente do que você optar colocar em seu aqua como decoração o conselho é: adquira itens próprios para aquário, em que a empresa garanta que são atóxicos e sem arestas que possam ferir os peixes.
Cabe também ressaltar aqui que as rochas acabam por diminuir a movimentação de água em alguns cantos do aquário, o que pode ser prejudicial para a qualidade da água. Para resolver isso você não precisa de 30 pequenas bombas “meia-boca” para fazer a água circular, apenas de uma “muito boa”. Quis o destino que a SB 2000 fosse feita com a bitola do cano de saída muito próxima da ½ polegada dos canos de PVC (lixando um pouquinho a borda do cano eles encaixam). “E daí?” Há um sistema caseiro feito para circulação de água chamado Under Gravel Jet (UGJ), que nada mais é do que um monte de canos conectados, formando um sistema fechado, colocados sob o substrato do seu aquário, sendo que em determinados locais estão expostas torres de saída de água. Nessas torres fazemos algo para diminuir o fluxo – ou usando um tampão, que furamos nas laterais, ou esquentando as pontas e depois apertando com um alicate – a fim de permitir que se forme um jato, que será o responsável por criar correntes naqueles locais que nunca imaginamos ser possível.
Dicas para a Montagem de um Aquário de CAs
Já na escolha de quem habitará esse “castelo dos sonhos” estão muitos pretendentes, basta você, em primeira mão, decidir: Malawi ou Tangayika? Se o primeiro for o escolhido, há uma segunda pergunta: Hap, Mbuna ou Peacock? Claro que faço esta segunda pergunta só de maldade, mas elas são simples na verdade. Mbuna (leia-se umbuna ou ambuna) vem do dialeto local na região do lago Malawi e significa “peixe da rocha” e reúne peixes que são, em sua maioria, herbívoros – podendo ser prejudicados em aquários com peixes carnívoros e alimentação à base de proteína animal. Estão aqui elencados peixes dos gêneros Pseudotropheus, Maylandia, Labidochromis, Labeotropheus e Melanochromis, dentre os mais comuns. Já os Haps (derivado do gênero Haplochromis que antigamente englobava a maior parcela das espécies nesta categoria, hoje distribuídos em muitos gêneros como Otopharinx, Protomelas ou Sciaenochromis) e os Peacocks (gênero Aulonocara), são peixes que, em sua maioria, preferem zonas abertas e sua dieta é omnívora. Dentre os peixes do Malawi você encontrará muitas cores, que só perdem para os peixes marinhos. Lembro que não é uma regra fixa e imutável, mas ajuda bastante a decidir os rumos.
No entanto, se sua escolha foi Tangayika, você terá à mão peixes interessantes, como os shell dwellers (habitantes das conchas), dos gêneros Neolamprologus e Lamprologus, as ágeis Cyprichromis leptosomas, o intrigante Altolamprologus calvus, as simpaticíssimas Julidochromis spp., os “narcisistas” Neolamprologus daffodil os majestosos Cyathopharinx furcirfer…muitas opções. Nesse tipo de aquário você pode trabalhar o layout para permitir que mais espécies habitem o mesmo volume. Por serem mais especializados, ecologicamente falando, não é incomum você ver leptosomas nadando na superfície, shell dwellers cuidando de sua cama de conchas, “julies” entrando e saindo de fendas nas rochas e ainda algum peixe de meia água nadando por ali.
Qualquer que seja sua escolha ela deve ser precedida pela busca de peixes similares em dieta, tamanho e agressividade, lembrando que peixes dentro de um mesmo gênero podem ser tão similares que acabem aumentando a competição e brigas entre si. Assim, especialmente se o aquário não é dos grandes, evite colocar peixes do mesmo gênero e com padrões de cores similares, tal como “peixe azul com barras verticais pretas”.
Esses aquários são prazerosos de ver quando algumas precauções são tomadas. Cores, formatos e comportamentos singulares fazem dos CAs um aquário empolgante de se manter.
Curiosidade: você percebeu que o nome Pseudotropheus demasoni POMBO tem 3 partes, sendo duas em itálico e uma deixada em caixa alta? Sabe o que é cada uma? Gênero, espécie e região. Sim, o itálico vem da regra para os nomes científicos, sendo o primeiro, sempre começado com letra Capitular, é a designação do gênero, o segundo é a espécie (epíteto específico) e a terceira, em caixa alta, que não pertence ao nome taxonômico oficial, serve para ressaltar sua localização no lago – no caso Pombo Rocks, no lago Malawi, um rochedo donde provém a variedade com essa nomenclatura.
Com Bravo de Bravura, e não de Braveza, Johnny Bravo (João Luís), escreve para revistas especializadas e para o blog da Sarlo há um cadim de tempo. Nessa jornada Julioverniana, após 20 Mil Léguas de textos, agora ele também desenvolve os roteiros para os vídeos de chamada do Sarlocast, onde você pode ouvir a sensual voz desse aquaman (tradução: homem de aquários).