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Sempre que eu ouço “Tetra”, lembro-me do futebol, onde o termo se refere a um time quatro vezes campeão. No aquarismo, no entanto, o nome é relacionado especialmente a peixes pertencentes à família Characidae (praticamente todos, como veremos) – pra falar a verdade, tetra devida do gênero Tetragonopterus (asa de quatro cantos) e como era um caracídeo de formato padrão, muitos aquaristas improvisaram, encurtando o nome e dando-o para inúmeros peixes parecidos – e o troço pegou. Antigamente englobava desde as piranhas, pacus e tambaquis, até os nossos conhecidos e pequeninos mato-grossos, rosáceos e neons; mas isso mudou nos dias de hoje. Os grandões citados estão na família chamada Serrasalmidae, enquanto os demais continuam na Characidae. Estas duas e outras famílias, somando mais de 20, pertencem à ordem Characiformes. Para gente aqui, neste assunto, podemos tratar os termos “tetra” e “caracídeos” como sinônimos para os peixes que pertencem à família Characidae. Pronto.
Fácil assim? Claro que não, estamos falando de taxonomia, onde nada é fácil. Não é tarefa fácil dar assertivas sobre a classificação para esses animais, pois são peixes que estão sempre no alvo de revisões taxonômicas. Boa parte dos peixes que permanecem na família Characidae estão numa situação chamada “Incertae Sedis”, algo do tipo “o que eu faço com isso?”. Gêneros muito conhecidos da gente, como o Hyphessobrycon e Hemigrammus, precisam urgentemente de revisão. A confusão também se expande para o vocabulário comum. Já falamos disso em outro podcast, mas só para você ter uma ideia, da próxima vez que ouvir o termo “lambari”, imagine que o peixe possa pertencer ao gênero Astyanax (mais de 85 espécies descritas) ou Moenkhausia (mais de 55) ou sei lá mais o que…esses números não são “informação científica comprovada e cabal”, apenas contei, por curiosidade, no Check List feito por Kullander, em 2003; é ilustrativo apenas, ok?
Characidae é uma vasta família, com quase 800 espécies, distribuídas em, pelo menos, 52 gêneros…mas aqui vamos apenas chamá-los de Tetras – peixes graciosos e com tamanhos reduzidos (não ultrapassando os 13cm). Estão distribuídos desde o sudoeste do México, passando por toda América Central e do Sul, com destaque para a região Amazônica. “Mas eu vi um peixe chamado Tetra do Congo e Congo fica na África…vai estudar Johnny!”. Ok. Tetras africanos, como você pode encontrar por aí, pertencem a outra família, chamada Alestidae. Nosso foco, no entanto, serão os “nossos” tetras, os existentes nas Américas.
Por isso, melhor do que ficar discutindo taxonomia, é saber como tê-los em nossos aquários, independentemente do nome que eles tenham. Bora lá!
OS ASTROS
Deixe-me apresentar alguns dos que mais gosto, para que você tenha certeza que já os conhece:
Black Phantom (Hyphessobrycon megalopterus)
Ô bicho bonito sô! Pequeno, com cerca de 3,5 cm, pois um interessante dimorfismo sexual: machos têm as nadadeiras dorsais alongadas, corpo escuro ou com aquela aparência esfumaçada (cinza); as fêmeas possuem as nadadeiras peitoral, anal e adiposa avermelhadas. Ver dois machos fazer display um para o outro é sensacional! Eles ficam se medindo, provocando, com as nadadeiras eriçadas, rodopiando num movimento anelar…de vez em quando dão uma corrida no outro e raramente se machucam.
Originário da Bolívia e Brasil, rio Paraguai, gosta de água levemente diferente do neutro (6.0 – 7.5) e temperatura entre 22 e 28ºC, embora seja considerado pelos aquaristas como um peixe robusto.
Tetra Imperador (Nematobrycon palmeri)
Não sei qual gosto mais, deste ou do Black Phantom, acho que deste aqui…Incrivelmente pacífico, um pouquinho maior que seu antecessor, girando em torno dos 4 cm. O dimorfismo entre os sexos também é bem aparente. O macho, ligeiramente maior, tem o raio superior de sua dorsal estendido, sua nadadeira anal também fica maior e, o fator mais seleto, esta espécie possui um alongamento num raio interno da cauda, deixando-a em formato de “tridente”. A íris dos olhos também ajuda a identificar: machos com íris azul e fêmeas com verde.
Este amigo é colombiano, preferindo águas com pH entre 5.0 e 8.0, sendo encontrados em ambientes de “black water”, com temperatura de 23 a 27ºC.
Neon Cardinal (Paracheirodon axelrodi) e Tetra Neon (Paracheirodon innesi)
Unanimidade nacional, mundial talvez, os neons são os peixes mais cotados nos aquários de água doce. Você os encontra tanto nos temáticos amazônicos, como nos plantados profissionais e até mesmo nos comunitários. Suas faixas longitudinais azuis chamam, de longe, a atenção.
O primeiro é encontrado na Colômbia, Brasil e Venezuela, possui coloração puxando para o vermelho (o termo “cardinal” é por isso). Preferem água ácidas (pH 4.0 a 6.0) e quentes (23 a 27ºC).
O outro, também existe na Colômbia e Brasil, bem como no Peru, onde ocorre tanto em água negra quanto na clara. As condições de água são parecidas com o congênere: pH entre 5.0 e 7.0 e temperatura entre 20 e 26ºC.
Ambas as espécies, que atingem cerca dos 3cm, são muito sensíveis à qualidade da água, especialmente no que se refere a compostos nitrogenados (amônia, nitratos etc.), o que não os torna indicados para iniciantes.
Mato-Grosso (Hyphessobrycon eques)
Impossível de não conhecer, pois é amplamente distribuído pela América do Sul, tanto pela ocorrência natural, quanto pelos aquários. É aquele baixinho (3,5 cm), vermelhinho com cara de enfezado. Seu tamanico, no entanto, esconde um potencial que surpreende muitos aquaristas iniciantes: mordedor de nadadeira…esse detalhe é bom observar para todos os peixinhos identificado sob gênero Hyphessobrycon (incluindo o Black Phantom). O nome do gênero, significa “pequeno mordedor”. Cabe frisar que isso não é “agressividade” em si, mas um comportamento compulsivo, que pode ser observado nos momentos de frenesi, como na alimentação. Nessas horas eles têm o hábito de mordiscar os outros, sendo as nadadeiras o principal alvo. Em aquários comunitários, não inclua Mato-Grosso e peixes de longas nadadeiras que sejam parados demais (kinguio, betta, guppy etc.), ok?
Parâmetros de água? Além do fato de podermos considerá-lo mais robusto que os que já vimos aqui, diria que um pH entre 5.0 e 7.6 e temperatura entre 20 e 28ºC, seriam os adequados para ele.
Rodóstomo (Hemigrammus Rhodostomus)
Peixe muito ativo, seu aquário deve ser mais comprido para que ele nade. Além de sua hiperatividade, seu destaque é a coloração de sangue no “nariz”, com a cauda alvinegra. Irmão gêmeo do Hemigrammus bleheri, que pelos relatos mundo a fora (fóruns e sites), difere-se por ter a cabeça toda vermelha. Eu não saberia diferir ao vê-los, olhos mais vivazes e acostumados, possivelmente saberiam.
Provém das bacias dos rios Orinoco (Venezuela) e Amazonas, onde vive em águas com pH entre 5.5 e 7.0 e temperaturas de 24 a 27°C. Chega a uns 5cm.
Impossível esgotar o que existe de tetra aqui, nem mesmo os que mais gosto, por isso seria interessante vermos o que eles têm em comum e onde esses peixes se encaixam – não deixe de pesquisar por mais sobre eles, pois são cativantes (use os gêneros dados aqui e veja quantas espécies surgem). Certo? Vamos adiante?
CARACTERÍSTICAS COMUNS ENTRE OS TETRAS
Nenhuma das espécies acima gosta de nadar só. Essa afirmativa é válida, pois a maioria dos tetras prefere viver em cardumes; quatro ou cinco companheiros seria o mínimo. Não me passa pela mente nenhum que prefira viver isolado.
A alimentação é de base carnívora. A quase totalidade das espécies de tetra é feita de pequenos predadores, sendo que o tamanho da comida está relacionado ao da boca (eles não distendem a cavidade bucal, como fazem os ciclídeos, por exemplo). Pensando assim, fica fácil entender que adoram vermes, pequenos insetos e crustáceos. Nos aquários costumam aceitar bem as rações (não economize nisto, nunca; não escolha marcas duvidosas). Num aquário de tetras, larvas de mosquitos transmissores de doenças não vingam!
Adoram aquários plantados. Até mesmo nos aquários plantados mais ninjas você os vê. Um pequeno cardume de foguinhos (Hyphessobrycon amandae) ou de neons, um quarteto de tetra glowlight (Hemigrammus erythrozonus), criam realces sem comparação quando o assunto é aquário plantado. Não me refiro apenas a um recipiente com plantas, mas sim aqueles com iluminação adequada, nutrição, controle de crescimento por meio de poda etc. Os de competição mesmo! É certo que o número de peixes é sempre crucial para o sucesso de plantados, mas os tetras estão sempre no TOP 4 das escolhas de espécies.
E não é só pra sair bem na foto que colocamos plantas, eles usam as moitas e os adensamentos de vegetais também para se reproduzir. Na natureza eles realizam seus ritos reprodutivos sobre locais assim, com vegetação abundante. Coloquei o tópico propositadamente após o assunto das plantas, para que já estivéssemos carregando a imagem do aquário deles na mente. E como é o método de reprodução deles? Ovos lançados no ambiente. Diferentemente dos ciclídeos, os caracídeos não cuidam dos ovos ou da prole, motivo pelo qual pais e filhos devem ser separados logo após a postura dos ovos. Este “separados” pode ser entendido na forma de uma barreira ou esconderijo, assim, tufos de plantas podem proteger e ocultar ovos e alevinos, enquanto crescem. É certo que procriam em aquários dos mais diversos tipos, sem muitas cerimônias, mas quando há sobreviventes, provavelmente, o ambiente é densamente vegetado.
Um cuidado que vale a pena chamar a atenção é sobre a vulnerabilidade dos ovos ao ataque de fungos. É de se prever que em ambientes não controlados – que seriam aquários não preparados para a exclusiva finalidade de reprodução – as chances de manter os filhotes vivos se reduzem drasticamente, porém, há como minimizar. Manter a água limpa é o primeiro ponto importante. O uso de filtros aparece de forma duplamente significativa, pois o segundo ponto que queria chamar a atenção é a movimentação da água. Os tetras (muitos deles) gostam de água em movimento e isso ajuda também na aeração do lugar, evitando que material se deposite sobre ovos e que esse ambiente oxigenado impeça (ou dificulte) o surgimento de fungos.
Ainda sobre reprodução, saiba que existem estratégias para incentivá-la: aumentar a circulação de água, mudar padrões de iluminação, aumentar o fornecimento de alimento vivo etc. O Black Phantom, por exemplo, responde quando se rebaixa o pH um pouco e se aumenta a temperatura. São peculiares detalhes que fazem a diferença; cada espécie uma história. Por isso, se o seu intuito é reproduzir, será necessário sair um pouquinho do “modo comum de manutenção” e partir para a especificidade. Assim, recomendo devorar os textos daqueles que já trazem experiência.
Por fim, já que falei ali em aumento de temperatura, percebeu também que a água deles é quentinha? Então, se na sua cidade há variações de temperatura ou a água não chega nos valores requeridos para este parâmetro, você precisa de termostato e de um aquecedor bem confiável. Por serem de ambientes tropicais ou subtropicais, a água aquecida lhes confere mais condições de mostrarem seu potencial.
Há muito (muito) mais a ser dito sobre os tetras das Américas, porém, num blog é interessante colocarmos assuntos para serem pensados, debatidos e aprimorados…não é pra começar e acabar aqui; é só pra começar. Esta é uma das ideias que trago nos meus textos e podcasts: abrir a curiosidade e o gosto de todos pelo aquarismo, com a publicação de experiências e ideias.
Agradeço a audiência, espero que tenham gostado e nos vemos no próximo Sarlocast!
Com Bravo de Bravura, e não de Braveza, Johnny Bravo (João Luís), escreve para revistas especializadas e para o blog da Sarlo há um cadim de tempo. Nessa jornada Julioverniana, após 20 Mil Léguas de textos, agora ele também desenvolve os roteiros para os vídeos de chamada do Sarlocast, onde você pode ouvir a sensual voz desse aquaman (tradução: homem de aquários).