Desde a minha época inicial no aquarismo, ouço falar do desafio (ou façanha) de se desenvolver um aquário autossuficiente onde não é preciso “mexer nele”…“deixa ele lá que o troço se mantém”. Hoje temos a tecnologia a nosso favor, o amadurecimento e melhoria do conhecimento, mas ainda assim, como veremos, nada é tão automático a ponto da manutenção ser dispensável; continua sendo um desafio…mas dentro de um certo contexto, podemos dizer que a autossuficiência existe sim.

A ideia desse assunto veio quando um grande amigo me falou do método SONO, que é um método dessa linha de aquarismo autossuficiente, feito por japoneses (não sei se SONO é o nome da empresa, da pessoa ou as duas coisas). Daí se deu minha pesquisa nesse campo, que desconheço para poder me considerar um consultor, mas que entendo para já começar dizendo que não é aconselhável para iniciantes, tendo em vista o nível de conhecimento que se requer.
…mas vamos em frente, senão vocês ficam com “SONO”…

O miolo desse nosso assunto aqui é sobre transformar o aquário num ecossistema que requeira o mínimo de intervenção, tal qual usar termostatos, aquecedores, filtros, bombas submersas, sifonamentos recorrentes etc. O lance tem que responder com alguma automaticidade para poder ganhar esse status de que funciona por si mesmo, ou em termos mais diretos, que plantas, peixes, camarões, caramujos, plâncton (consideramos tudo que estiver vivo no aquário) criem um ambiente balanceado.

Já consegue perceber como isso vai longe? Nesse ideal de sistema, o que os animais comem e excretam (nutrientes a grosso modo), precisam ser absorvidos e reciclados pelas plantas e bactérias do aquários, de forma que o sistema não colapse. De cara já percebemos o quanto devemos entender do funcionamento do sistema para tentar replicar isso nesse nível de desafio.
Além do SONO, nessa pesquisa deparei-me também com o método WALSTAD, cujo nome é dado por causa de uma das precursoras, chamada Diana Walstad (se você procurar na Amazon verá o livro dela lá), que tem tornado esse tipo de aquarismo mais comum desde o início dos anos 2000. Na verdade, este último precede em termos de teorias e experiências, sendo que provavelmente influenciou o primeiro; tanto que preferi dar mais ênfase ao WALSTAD.

Não são métodos que competem entre si, nem nada do tipo. O SONO lida basicamente com microprojetos, tanto que tem apelidos do tipo “aquário engarrafado”, e atende o aquarismo tanto de água doce como o de água salgada. Já o WALSTAD, traz conhecimento só para a água doce e não está limitado para aquários minúsculos. O que esses métodos trazem em comum é tornar o hobby mais acessível, pois são baseadas em condutas “low tech” (baixo uso de tecnologia/equipamentos). Bora ver o que tem pra hoje…

WALSTAD, MÃE DA AQUASSUTENTABILIDADE

Bem, o método parte do princípio que “no ecossistema criado, peixes (animais) e plantas balanceiam as necessidades uns dos outros mutuamente”. E essa história começa…vejam só…no substrato, o qual virá a funcionar como uma espécie de coração para o sistema!

No aquarismo tradicional que conhecemos, colocamos esse peso vital sobre os filtros com mídias biológicas, não é mesmo? Pois então, aqui não teremos filtros (não?) e o substrato é que será nossa cama de bactérias nitrificantes…não é à toa que se usa para esse nicho de aquarismo o nome “solo de bactérias”.

E como se daria isso? – você se pergunta. E eu respondo: 1) os peixes e a comida deles deixam na água fezes e resíduos, que quando em decomposição geram compostos nitrogenados; 2) as plantas retiram da água compostos nitrogenados (entre eles os tóxicos amônia e nitrito); 3) para completar o ciclo, as bactérias nitrificantes precisam estar prontas para apoiar a ciclagem e isso se torna a chave para o equilíbrio do sistema. Dessa forma, se as plantas não forem vigorosas não conseguirão executar sua função, se as bactérias não puderem se firmar a ciclagem fica insuficiente e se os peixes forem demasiados e impróprios corrompem os planos…e o sistema entra em colapso. Esse seria o resumo mais resumido que consegui pensar.
Por isso, vamos começar a explicar o desenho do método para ver como ele é montado.

Valendo-se de produtos orgânicos (sem aditivos químicos), a autora diz que tudo começa pela escolha do solo que proverá às plantas uma ótima nutrição. Para espanto de muitos, não se trata de nenhum produto de aquário, mas sim um solo orgânico para plantas de jardim. Ela recomenda terras de jardim com baixas quantidades de estrume/humus e que possuam pH entre 6,0-7,0; ela também indica solos que tenham pouca quantidade de turfa (ou itens que tornem tudo muito ácido). Numa pesquisa de curiosidade rápida de produtos desse tipo no Brasil, vi no Mercado Livre, onde tem a oportunidade de aproximar a embalagem e ler, a maioria não tem essa especificação, apenas menções do tipo “corrige pH” ou “corrige acidez”. Eu não saberia recomendar quais marcas comprar desse solo fértil.

Agora um ponto importante (tenha sempre em mente “solo de bactérias”): parece óbvio para quem já tem um pouquinho de experiência que se deixar esse solo à mostra a água do aquário vai desandar…e isso é correto. O solo fértil precisa ficar escondido e sem contato direto com a água e, para tal, será necessário um segundo inerte: cascalho fino ou areia de granulometria mediana, independente da escolha, opte por granulometria uniforme. Para que estou especificando isso? Além desse papel de esconder e prender o solo fértil, a granulometria arenosa permite colonização por bactérias nitrificantes por onde a água adentrar, o que ocorrerá nos infinitos interstícios entre grânulos. Se a areia for fina demais, o solo compacta e o sistema não funcionará como deve.

As bactérias nitrificantes, no entanto, serão firmadas apenas nos primeiros centímetros de substrato, formando tal como uma película mesmo, deixando as partes mais profundas, onde o oxigênio já não chega, para outros tipos de bactérias e de processos químicos (decomposição anaeróbica).

Como dica de montagem do fundo, já valendo da minha opinião, pegue a areia de filtro de piscina (areia de granulometria média, uniforme e inerte) e aloque-a ao redor de todo o fundo, deixe o meio livre, ponha só nas bordas. No centro, preenchendo o espaço vazio e numa altura de 3 e 4 cm, ponha a terra de jardim escolhida. Após isso, cubra tudo com a areia de piscina numa altura de 2,5 e 3 cm acima do solo fértil. Podemos perceber que o substrato fica em torno de 7 cm de altura total.

Deixo uma observação: há quem prepare o solo fértil antes do uso no aquário, já que não é desenvolvido para tal. Normalmente é passado numa peneira grossa, para retirar partículas grandes. Posteriormente a isso, deixa-se de molho por duas ou três noites, trocando a água para remover itens flutuantes e trocando a água.

A partir do setup do substrato, com tudo bonitinho já, tomamos muito cuidado para não misturar o solo fértil ao inerte. Não despejamos água direto, plantamos com o uso de pinças ou alguma forma de inserir a planta sem revolver bruscamente o solo e não colocamos peixes de hábitos escavadores. Um dos equipamentos que não serão usados, como vemos, é o sifão de fundo. Folhas mortas, por exemplo, devem ser retiradas manualmente ou com ajuda de utensílios como redes.

O FUNCIONAMENTO – A REGRA DOS 2 MESES

Sei que falei do “low tech” como provável exclusão de muitos itens para deixar o aquarismo mais acessível em termos de gasto de grana…e é verdade, mas como veremos aqui, nem que seja por tempo limitado, alguns equipamentos terão significado e necessidade.

O equilíbrio de um ecossistema não surge do dia pra noite e até ele deve ser precedido por etapas, tal como conhecemos quando mencionamos a “ciclagem” no aquarismo tradicional. Nesse procedimento de busca pelo ecossistema autossuficiente, Walstad reitera a importância do fluxo contínuo de movimentação da água com a finalidade de oxigenação do ambiente, pois é o elemento que ajudará a transformar compostos tóxicos em outros mais úteis ao sistema. Em tal etapa de amadurecimento, a inserção de animais somente é aconselhada se forem caramujos e camarões, para casos específicos de controle de algas, quando já há alguma segurança de níveis de amônia controlada. Fora isso, é perigoso aos animais. Cabe mencionar que como desenvolvemos aqui um formato “orgânico” evitamos, sempre que possível, o uso de aditivos químicos, no caso, estamos dispensando os anuladores de toxinas e os acelerados de maturação.
O tempo destacado – 2 meses – serve especialmente para o desenvolvimento das plantas e do substrato. É bom lembrar que para as plantas crescerem e poderem atuar na estabilização do sistema, inclusive na competição contra as algas verdes e filamentosas verdes, elas precisam de todo nosso apoio e só o substrato não garante isso. Precisamos focar em três aspectos: escolha de plantas, iluminação adequada (a luminária é um dos itens indispensáveis, mesmo neste sistema low tech) e a dureza da água.

Do mais simples para o mais detalhado, começo dizendo que a água não deve ser demasiadamente mole, pois não beneficia o crescimento da maioria das plantas e, para tal, se o solo fértil já não possuir fontes que subam o GH (cálcio em especial) ou sua água não for dura, recomenda-se o uso de algo que possa contribuir – ou misturada no solo ou na forma de uma rocha que possa prover isso pelo menos na fase inicial.

Sobre a iluminação é posto algo interessante. É recomendado, 0,5 Watt/litro de luz branca (fluorescente), por um período de 10 horas diárias, com um detalhe: 5 horas ligado, 4 horas desligado, 5 horas ligado, para que o CO2 tenha seus valores aumentados para permitir melhor crescimento, além de resguardar a questão do aparecimento de algas indesejáveis. Além disso, sugerem que aquário fique num local – ou seja movido para lá se for pequeno – que apanhe luz do sol por 1 hora. Pessoalmente, achei muito peculiares as dicas. Percebam que também excluímos do material os kits de CO2.

Sobre as plantas enfim, não é para sair colocando tudo que achar não. Especialmente na fase de estabilização, são imprescindíveis plantas de crescimento rápido, tais como Amazonenses (Echinodorus bleheri, E. major e E. tenellus), Sagitárias (Sagittaria subulata e S. graminae) e Hemianthus callitrichoides. Paralelo a isso, precisamos planejar como ir plantando outras, depois de um tempo de ação dessas primeiras aí, falo de musgo de java, Cryptocorynes e Anubias, que são plantas que levam um tempinho para se estabilizar. Cabe ainda mencionar que a diversidade vegetal pode ajudar ainda mais, usando plantas flutuantes, tipo alface d’água, e também as de caule, como Bacopas e Rotalas. O uso de pinças longas, para não esburacar o solo na hora do plantio, vem muito bem a calhar…adquira uma!

AQUÁRIO ESTABILIZADO

Bem. Passados esses dois meses (vale um testezinho de amônia pra ter certeza), estamos aptos a tomar algumas decisões: desligar bombas que oxigenavam nosso sistema e começar a povoar com peixes.

Pelo fato de não haver bombas em funcionamento, cabe sempre observar se não vai se formar um biofilme na superfície – parece uma camada de gordura – e se houver, quebre-o para melhorar a troca gasosa (pode ser coletando a água só da superfície e substituindo por nova). Lembrete aqui: as trocas parciais – TPAs são raras e o uso de condicionadores de água não está previsto no método, assim, quando for renovar água, aquela que entra já deve estar tratada previamente, incluindo referente à temperatura – se sua casa fica numa região de invernos rigorosos e especialmente se o aquário possuir peixes e ainda, se for muito pequeno, onde as mudanças acontecem num piscar de olhos, possivelmente você precisará de termostato+aquecedor; isso porque as temperaturas ditas “compatíveis” com o método ficam entre 20 e 30º C.

Para os peixes, além da quantidade moderada, para o método, não são escolhidos peixes que alcançam grandes tamanhos, tampouco aqueles que cavam o substrato, por motivos óbvios. Colisas, tricogaster leeri, paulistinhas, tetras em geral e iriaterinas estão entre as mais comuns e benquistas escolhas. No entanto, em aquários grandes, é possível manter peixes maiores. Observação: todo peixe que entra já deve estar quarentemado. Não são inseridos peixes vindos diretamente da loja, pois o método não considera aplicação de medicamento dentro do ecossistema.
Enfim, para saber se o aquário está funcionando no método Walstad, você deve observar: 1) o aquário não necessita de sifonamento (mesmo os dejetos dos peixes são reciclados no ambiente); 2) o aquário não necessita de nutrição extra para plantas (solo e dejetos dos peixes ajudam a manter); 3) o aquário não necessita de TPAs; 4) peixes estão saudáveis; 5) o aquário não “cheira a peixe”. É algo que dura muito tempo e há relatos de aquários mantidos assim por cerca de 10 anos, que é quando o sistema precisa ser assistido por forças externas.

Se eu contabilizei direito, um aquário nesses moldes precisaria apenas: 1) luminária (dá pra considerar um timer, para regular o tempo de acende/apaga), 2) teste de amônia, 3) teste de GH, 4) teste de pH e 5) pinça longa (para plantio)…parece pouco se for considerar o tradicional; além disso, podemos somar a bomba de circulação de água (no início) e termostato+aquecedor se você vive em lugares com inverno rigoroso.

SONO (Método Japonês) – AQUÁRIO-GARRAFA

Se a ideia anterior foi bem internalizada, então, aqui fica mais fácil entender método SONO…embora quando você diminua o volume de um aquário, sua manutenção merece mais atenção.
O método SONO se relaciona a aquários diminutos (a partir de 1,5 litros e em formas cilíndricas, cúbicas, esféricas ou em gota), tanto marinhos como de água doce. Pelo que pude acompanhar, provavelmente pelo diminuto volume, os aquários-garrafa da SONO duram por volta de 1 ano, usam aceleradores para atingir o clímax do aqua, além de se preocuparem com correções de nutrientes na água e no solo.

O que eu destacaria daquilo que o autor fala são os passos para adentrar o método, pois o resto fica tudo em tamanho menor apenas, seguindo preceitos similares:

1) Adquirir conhecimento sobre aquário – não qualquer um, o autor pede que se fixe em textos publicados com responsabilidade – temas basilares como temperatura da água, método de neutralização da água da torneira, qualidade da água, bactérias e como selecionar peixes
2) Adquirir experiência na técnica – o que realmente vale é evitar que erros grosseiros saiam matando indiscriminadamente os peixes e demais seres. O autor do método relata que sua “fórmula” se baseia no aperfeiçoamento dos inúmeros erros e testes malsucedidos na trajetória.
3) Equipamento/insumos: areia de quartzo (só o inerte); pastilhas/sticks de nutrientes para colocar dentro do substrato, próximo às raízes, iluminação; pinça longa (plantio); neutralizador de amônia; testes de pH, GH e amônia; aceleradores de maturação; no caso dos marinhos eu destacaria ainda o uso de resinas de troca iônica, para a retirada de íons de silicato e água de RO.
4) A seleção e quantidade de plantas aquáticas são muito importantes. É difícil construir um ambiente em uma “garrafa’ com plantas aquáticas exaustas, plantas aquáticas que não são adequadas para “garrafas”

Este método, embora tenha sido o que me motivou a escrever sobre aquários autossustentáveis, só adentrou mesmo nosso assunto porque ele está focado num nicho que aquários minúsculos que têm ganho muita atenção no hobby. Ainda assim, o método Walstad é que traz a base de entendimento.

Carrinho

Topo